Aula 11
Da Certeza da Graça e
da Salvação
Introdução
Dentro da estrutura da CFW
chegamos ao capítulo XVIII que encerra uma primeira grande jornada que tratou
de toda a consideração mais doutrinária, as bases da fé cristã.
Veremos neste capítulo como a
teologia de Westminster procurou compreender a alma humana e suas inclinações
pecaminosas, à luz do amor soberano e infalível de Deus, promovendo ponderações
que nos ajudam a crer e confiar, à luz da Palavra de Deus, em nossa relação
pactual, apesar de nossas falhas. Por outro lado, parece que este capítulo é
também uma tentativa de impedir o desenvolvimento de uma fé volúvel e pouco
dedicada ao Senhor.
Em seus quatro parágrafos, o
Capítulo XVIII da CFW trabalha com a ideia de segurança da salvação em face à
nossa inclinação pecaminosa, visando o dever de desenvolvermos uma fé que se
vale dos meios de graça para crescer e se consolidar e fortificar.
CERTEZA DA SALVAÇÃO DENTRO DA ESTRUTURA
DA CFW
Voltando a um quadro que já
mencionamos em uma das nossas aulas, veremos que a CERTEZA DA SALVAÇÃO está
posta como uma espécie de fechamento do bloco doutrinário central da confissão.
Como é possível notar, este
capítulo abre uma nova porta para a CFW que tem como ponto principal falar
sobre a tarefa humana de fortalecer o seu estado de fé e a sua autoconsciência
do estado de graça, pelo uso dos meios lícitos para tal. Acredito, portanto,
que se trata de um capítulo que serve como uma transição para uma nova direção,
que podemos dizer, se trata da primordialmente da “responsabilidade humana”.
Os capítulos que se seguem ao
Cap.XVIII tratam dos meios de graça e da obediência humana aos preceitos
divinos. Podemos, portanto, considerar que este nosso capítulo de hoje
estabelece uma espécie de alvo para a consideração dos demais capítulos.
Este alvo não é o de salvar a
si mesmo, mas o de fazer crescer a autoconsciência do estado de graça, desta
forma, os meios ordinários deixados por Deus são a sua Lei, os Sacramentos, a
vida religiosa como um todo e a prática de uma vida social equilibrada e
controlada pela Palavra de Deus. Desta forma, o que o capitulo XVIII promove é
uma espécie de busca a ser empreendida no uso das ferramentas dos demais
capítulos.
O QUE CERTEZA DA SALVAÇÃO NÃO É?
Os teólogos de Westminster,
certamente enfrentaram uma das principais acusações contra a teologia
calvinista, que apontava que os calvinistas, com sua “salvação monergista” se
tornavam presunçosos, preguiçosos e hipócritas na sua relação com Deus.
Até os dias de hoje, as pessoas
gostam de fazer a grotesca afirmação: quer dizer que se eu sou salvo,
independentemente das minhas obras e que não perco a salvação, então posso
viver de qualquer jeito que está tudo certo? Este tipo de grosseria não poderia
ser mais distante da Teologia de Westminster, afinal, para a Teologia da CFW,
uma das marcas da verdadeira fé é a busca de uma vida equilibrada pela Palavra
de Deus em todos os seus aspectos, moral, social e espiritual.
Certeza da Salvação Não é Baseada na Possibilidade Humana
Neste capítulo, uma das ênfases
que será dada é a consideração sobre o que a “certeza da salvação não é”. Para
tanto, veja como isto é construído:
Ainda que os hipócritas e os outros não regenerados possam iludir-se vãmente com falsas esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de salvação... (CFW XVIII.1a).
Aqui, no começo da sua
argumentação, os teólogos de Westminster propuseram uma consideração e que a
“Certeza da Salvação” não pode ser construída por meio de uma ilusão de si
mesmo e das possibilidades humanas, por isso é que usam a expressão “falsas
esperanças e carnal presunção”. Eles compreendiam que não construímos uma boa
autoconsciência do estado de graça, baseando nossa esperança em nossa
capacidade de agradar a Deus. Eles aqui também combatem a ideia de que o
regenerado, após o seu chamado eficaz, isto é, sua conversão, deve continuar
dentro de processo de arrependimento para a vida, lembrando de sua miséria e
queda e buscando constantemente na obra do Cristo o favor.
Ninguém que, ouvindo as palavras desta maldição, se abençoe no seu íntimo dizendo: Terei paz, ainda que ande na perversidade do meu coração, para acrescentar à sede a bebedice (Dt. 29.19).
Certeza da Salvação Não é Uma Mera Possibilidade
Um outro ponto que eles
levantam sobre o que a “certeza da salvação não é” é que ela não é uma mera
conjectura, ou uma possibilidade. Em outras palavras, a autoconsciência do
nosso estado de graça não pode ser uma fraca persuasão que considere uma
possibilidade de salvação, mas deve ser uma autoconsciência da infalibilidade
de Deus e de suas promessas.
Essa certeza não é uma mera persuasão conjectural e provável, fundada numa falsa esperança, mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade das promessas da salvação... (CFW.XVIII.2a).
Este ponto aponta para aqueles
que se deixam construir em uma fé frágil, inconstante, que em geral está
baseada no homem e sua confiança na própria virtude e não na obra soberana e
divina. Não se trata de uma possibilidade de sermos salvos, mas de uma forte confiança
no poder de Deus para nos salvar.
Certeza da Salvação Não é Obtida Sem Luta
Por fim, encontramos de forma
mais intrincada na CFW mais um elemento que aponta para o que a “Certeza da
Salvação não é”. Falamos da ideia de que a “certeza da salvação” não é uma
condição final para a salvação. Com isto queremos dizer o seguinte, quem não
tem certeza da salvação, não significa que esteja perdido, embora ter a certeza
da salvação seja um dos seus frutos mais preciosos, não é algo tão fácil de se
alcançar e nem todos os crentes amadurecem plenamente nisto.
Essa segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé que um verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades... (CFW.XVIII.3a).
Os teólogos de Westminster
defendem que a condição emocional e mental que nos leva à certeza da salvação é
uma construção do Espírito Santo na mente humana e não acontece de uma hora
para outra, como o ato monergista da salvação. Eles apontam para esta
consciência como um fruto do amadurecimento da fé, por meio das lutas próprias
e internas da alma humana (2 Pe 1.3-11).
Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum (2Pe 1.10).
A CERTEZA DA SALVAÇÃO COMO UMA
CONSTRUÇÃO DIÁRIA DA OBEDIÊNCIA CRISTÃ
Quando estes teólogos
consideraram a ideia de certeza de salvação tinham em mente que se trata de um
estado de consciência positiva em relação ao amor de Deus, isto é, uma forte
confiança de que Deus é poderoso para salvar e pronto para amar o pecador. Eles
assim pensavam de tal forma que estimulavam o crente a perceber o seu estado de
pecado, à luz do poder de Deus para cobrir os pecados pelo sangue de Cristo e
de amá-los incondicionalmente, promovendo sua salvação para revelar a sua
glória e misericórdia.
Desta forma, os teólogos de
Westminster sabiam que a salvação não era um construto humano e era fundamental
que todos soubessem disto, porém, sabiam que uma autoconsciência destas coisas
só podia ser verdadeiramente construída, mediante uma visibilidade dos frutos
desta nova condição, por meio da grata obediência cristã.
Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e somente pela sua graça, o habilita a querer e a fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom (CFW.IX.4).
Este conceito eles também
haviam tratado quando explicaram os decretos de Deus, especialmente a
predestinação (ver CAP. III.8). Desta forma, portanto, a obediência cristã é
fundamental para a construção desta consciência, pois se torna o meio mais
eficaz do Espírito Santo nos falar a respeito da nossa adoção em Cristo Jesus
(ver CFW.XVIII.2).
Pois todos que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito da escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito da adoração, baseados no qual clamamos “Aba Pai”. O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.14-16).
Esta obediência cristã é,
portanto, central para a construção desta autoconsciência da salvação o que nos
levará a uma condição de piedade graciosa cada vez mais intensa. Não se trata
de presunção como disseram eles, mas de uma crescente e forte esperança nas
promessas de Deus, que se materializam em nossa mente quando percebemos que
Deus nos transforma na imagem de seu filho.
(...) contudo, os que verdadeiramente crêem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem, nesta vida, certificar-se de se acharem em estado de graça, e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, nessa esperança que nunca os envergonhará (CFW.XVIII.1).
A doutrina deste alto mistério
de predestinação deve ser tratada com especial prudência e cuidado, a fim de
que os homens, atendendo à vontade revelada em sua Palavra e prestando
obediência a ela, possam, pela evidência de sua vocação eficaz, certificar-se
de sua eterna eleição (CFW, III, 8a).
A CERTEZA DA SALVAÇÃO É CONSTRUÍDA COM
SEGURANÇA NA PALAVRA DE DEUS
Um outro aspecto desta
construção da autoconsciência do estado de salvação e graça é a segurança
absoluta nas promessas de Deus, na sua Palavra. Este é o ponto mais primordial
considerado pelos teólogos de Westminster, que a fé, se apoia não no homem, mas
em Deus, não na capacidade do homem de fazer o bem, nas em Deus manter sua
Palavra firme.
Essa certeza não é uma mera persuasão (...) mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade das promessas de salvação (CFW.XVIII.2).
Um dos pontos fortes de toda a
CFW é o de apontar para a Palavra de Deus como sendo a fonte de toda a
construção de fé. Precisamos aprender a confiar na Palavra de Deus e em sua
Infalibilidade e ter uma profunda certeza de que aquele Deus que promete
cumpre.
Deus não é um homem para mentir e nem filho de homem de se arrepender (Nm 23.19).
Portanto, a nossa insegurança
da salvação não é outra coisa senão um problema que temos em confiar na Palavra
de Deus e no seu poder de salvar o pecador. Sei que muitas vezes, ficamos
inseguros ao ver quem somos, mas devemos nos lembrar sempre que quem somos
jamais será maior do que aquilo que Deus é, mesmo que sejamos os mais sujos dos
homens, podemos confiar que o sangue de Jesus pode nos limpar e perdoar.
Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlate, se tornarão brancos como a neve (Is 1.18).
A CERTEZA DA SALVAÇÃO É CONSTRUÍDA COM
A INTIMIDADE CRISTÃ NO ESPÍRITO SANTO
Como um dos fatores importantes
para a obediência cristã, a teologia da CFW aponta a obra do Espírito Santo.
Sem o Espírito Santo não há transformação do coração humano e, portanto, não
condução de pecadores no caminho da obediência. Eles propuseram que a obra a
comunhão do crente com o Espírito Santo é onde esta autoconsciência do estado
de graça é desenvolvida.
Neste capítulo, podemos notar
como os parágrafos 2, 3 e 4 enfatizam a obra do Espírito em ar ao crente esta
segurança, por meio do uso dos meios ordinários para demonstração, confirmação
e fortalecimento da fé.
NO parágrafo 4, entretanto,
esta confiança e segurança da salvação pode ser abalada pela interrupção dos
laços de intimidade com o Espírito Santo, mostrando quão importante é essa
relação para o desenvolvimento da perfeita varonilidade cristã.
Por diversos modos, podem os crentes ter a sua segurança da salvação abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações (CFW.XVIII.4a).
Essa condição, porém, pode ser
revertida por uma renovação desta intimidade do Espírito, o que na verdade,
creem os reformados, acontecerá porque Deus não nos deixa para sempre viver em
completa e absoluta deserção de fé.
(...) contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever, dessas bênçãos, a certeza da salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito e por meio delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero absoluto (CFW.XVIII.4b).
CONCLUSÃO
O papel pretendido pelos teólogos
de Westminster para este capítulo ou para os capítulos XVII e XVIII a CFW
talvez tenha sido o de transição. Apontando para uma nova etapa, mais centrada
na vida diária e na prática de vivencia cristã.
Um dos pontos que precisamos
destacar, no entanto, é a importância do desenvolvimento de uma autoconsciência
do estado de graça, como um processo de transformação e amadurecimento da fé,
tanto quanto, como isso tornará mais ou menos facilitada a vida do crente em
todos os ambientes onde ele é levado a desempenhar o pape vivencial.
Acredito que seja importante
para tirar um peso das nossas costas que, muitas vezes, assusta, que é o de se
sentir perdido, por não carregar uma confiança tão absoluta na sua própria
salvação, uma vez que a falta da autoconsciência da própria salvação não é
motivo para afirmar a nossa “não salvação” e, por outro lado, desencadear a
busca de um processo de amadurecimento no desejo de reafirmar a confiança na
Palavra, por meio dos atos afirmativos de obediência e uma aproximação cada vez
maior na comunhão com o Espírito Santo.