domingo, 17 de dezembro de 2017

Confessionalidade - Aula 11 - DA CERTEZA DA SALVAÇÃO

Aula 11
Da Certeza da Graça e da Salvação


Introdução
Dentro da estrutura da CFW chegamos ao capítulo XVIII que encerra uma primeira grande jornada que tratou de toda a consideração mais doutrinária, as bases da fé cristã.
Veremos neste capítulo como a teologia de Westminster procurou compreender a alma humana e suas inclinações pecaminosas, à luz do amor soberano e infalível de Deus, promovendo ponderações que nos ajudam a crer e confiar, à luz da Palavra de Deus, em nossa relação pactual, apesar de nossas falhas. Por outro lado, parece que este capítulo é também uma tentativa de impedir o desenvolvimento de uma fé volúvel e pouco dedicada ao Senhor.
Em seus quatro parágrafos, o Capítulo XVIII da CFW trabalha com a ideia de segurança da salvação em face à nossa inclinação pecaminosa, visando o dever de desenvolvermos uma fé que se vale dos meios de graça para crescer e se consolidar e fortificar.  


CERTEZA DA SALVAÇÃO DENTRO DA ESTRUTURA DA CFW

Voltando a um quadro que já mencionamos em uma das nossas aulas, veremos que a CERTEZA DA SALVAÇÃO está posta como uma espécie de fechamento do bloco doutrinário central da confissão.


Como é possível notar, este capítulo abre uma nova porta para a CFW que tem como ponto principal falar sobre a tarefa humana de fortalecer o seu estado de fé e a sua autoconsciência do estado de graça, pelo uso dos meios lícitos para tal. Acredito, portanto, que se trata de um capítulo que serve como uma transição para uma nova direção, que podemos dizer, se trata da primordialmente da “responsabilidade humana”.
Os capítulos que se seguem ao Cap.XVIII tratam dos meios de graça e da obediência humana aos preceitos divinos. Podemos, portanto, considerar que este nosso capítulo de hoje estabelece uma espécie de alvo para a consideração dos demais capítulos.
Este alvo não é o de salvar a si mesmo, mas o de fazer crescer a autoconsciência do estado de graça, desta forma, os meios ordinários deixados por Deus são a sua Lei, os Sacramentos, a vida religiosa como um todo e a prática de uma vida social equilibrada e controlada pela Palavra de Deus. Desta forma, o que o capitulo XVIII promove é uma espécie de busca a ser empreendida no uso das ferramentas dos demais capítulos.

O QUE CERTEZA DA SALVAÇÃO NÃO É?

Os teólogos de Westminster, certamente enfrentaram uma das principais acusações contra a teologia calvinista, que apontava que os calvinistas, com sua “salvação monergista” se tornavam presunçosos, preguiçosos e hipócritas na sua relação com Deus.
Até os dias de hoje, as pessoas gostam de fazer a grotesca afirmação: quer dizer que se eu sou salvo, independentemente das minhas obras e que não perco a salvação, então posso viver de qualquer jeito que está tudo certo? Este tipo de grosseria não poderia ser mais distante da Teologia de Westminster, afinal, para a Teologia da CFW, uma das marcas da verdadeira fé é a busca de uma vida equilibrada pela Palavra de Deus em todos os seus aspectos, moral, social e espiritual.

Certeza da Salvação Não é Baseada na Possibilidade Humana
Neste capítulo, uma das ênfases que será dada é a consideração sobre o que a “certeza da salvação não é”. Para tanto, veja como isto é construído:
Ainda que os hipócritas e os outros não regenerados possam iludir-se vãmente com falsas esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de salvação... (CFW XVIII.1a).
Aqui, no começo da sua argumentação, os teólogos de Westminster propuseram uma consideração e que a “Certeza da Salvação” não pode ser construída por meio de uma ilusão de si mesmo e das possibilidades humanas, por isso é que usam a expressão “falsas esperanças e carnal presunção”. Eles compreendiam que não construímos uma boa autoconsciência do estado de graça, baseando nossa esperança em nossa capacidade de agradar a Deus. Eles aqui também combatem a ideia de que o regenerado, após o seu chamado eficaz, isto é, sua conversão, deve continuar dentro de processo de arrependimento para a vida, lembrando de sua miséria e queda e buscando constantemente na obra do Cristo o favor.
Ninguém que, ouvindo as palavras desta maldição, se abençoe no seu íntimo dizendo: Terei paz, ainda que ande na perversidade do meu coração, para acrescentar à sede a bebedice (Dt. 29.19).

Certeza da Salvação Não é Uma Mera Possibilidade
Um outro ponto que eles levantam sobre o que a “certeza da salvação não é” é que ela não é uma mera conjectura, ou uma possibilidade. Em outras palavras, a autoconsciência do nosso estado de graça não pode ser uma fraca persuasão que considere uma possibilidade de salvação, mas deve ser uma autoconsciência da infalibilidade de Deus e de suas promessas.
Essa certeza não é uma mera persuasão conjectural e provável, fundada numa falsa esperança, mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade das promessas da salvação... (CFW.XVIII.2a).
Este ponto aponta para aqueles que se deixam construir em uma fé frágil, inconstante, que em geral está baseada no homem e sua confiança na própria virtude e não na obra soberana e divina. Não se trata de uma possibilidade de sermos salvos, mas de uma forte confiança no poder de Deus para nos salvar.

Certeza da Salvação Não é Obtida Sem Luta
Por fim, encontramos de forma mais intrincada na CFW mais um elemento que aponta para o que a “Certeza da Salvação não é”. Falamos da ideia de que a “certeza da salvação” não é uma condição final para a salvação. Com isto queremos dizer o seguinte, quem não tem certeza da salvação, não significa que esteja perdido, embora ter a certeza da salvação seja um dos seus frutos mais preciosos, não é algo tão fácil de se alcançar e nem todos os crentes amadurecem plenamente nisto.
Essa segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé que um verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades... (CFW.XVIII.3a).
Os teólogos de Westminster defendem que a condição emocional e mental que nos leva à certeza da salvação é uma construção do Espírito Santo na mente humana e não acontece de uma hora para outra, como o ato monergista da salvação. Eles apontam para esta consciência como um fruto do amadurecimento da fé, por meio das lutas próprias e internas da alma humana (2 Pe 1.3-11).
Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum (2Pe 1.10).

A CERTEZA DA SALVAÇÃO COMO UMA CONSTRUÇÃO DIÁRIA DA OBEDIÊNCIA CRISTÃ

Quando estes teólogos consideraram a ideia de certeza de salvação tinham em mente que se trata de um estado de consciência positiva em relação ao amor de Deus, isto é, uma forte confiança de que Deus é poderoso para salvar e pronto para amar o pecador. Eles assim pensavam de tal forma que estimulavam o crente a perceber o seu estado de pecado, à luz do poder de Deus para cobrir os pecados pelo sangue de Cristo e de amá-los incondicionalmente, promovendo sua salvação para revelar a sua glória e misericórdia.
Desta forma, os teólogos de Westminster sabiam que a salvação não era um construto humano e era fundamental que todos soubessem disto, porém, sabiam que uma autoconsciência destas coisas só podia ser verdadeiramente construída, mediante uma visibilidade dos frutos desta nova condição, por meio da grata obediência cristã.
Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e somente pela sua graça, o habilita a querer e a fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom (CFW.IX.4).
Este conceito eles também haviam tratado quando explicaram os decretos de Deus, especialmente a predestinação (ver CAP. III.8). Desta forma, portanto, a obediência cristã é fundamental para a construção desta consciência, pois se torna o meio mais eficaz do Espírito Santo nos falar a respeito da nossa adoção em Cristo Jesus (ver CFW.XVIII.2).
Pois todos que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito da escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito da adoração, baseados no qual clamamos “Aba Pai”. O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.14-16).
Esta obediência cristã é, portanto, central para a construção desta autoconsciência da salvação o que nos levará a uma condição de piedade graciosa cada vez mais intensa. Não se trata de presunção como disseram eles, mas de uma crescente e forte esperança nas promessas de Deus, que se materializam em nossa mente quando percebemos que Deus nos transforma na imagem de seu filho.
(...) contudo, os que verdadeiramente crêem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem, nesta vida, certificar-se de se acharem em estado de graça, e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, nessa esperança que nunca os envergonhará (CFW.XVIII.1).  
A doutrina deste alto mistério de predestinação deve ser tratada com especial prudência e cuidado, a fim de que os homens, atendendo à vontade revelada em sua Palavra e prestando obediência a ela, possam, pela evidência de sua vocação eficaz, certificar-se de sua eterna eleição (CFW, III, 8a).

A CERTEZA DA SALVAÇÃO É CONSTRUÍDA COM SEGURANÇA NA PALAVRA DE DEUS

Um outro aspecto desta construção da autoconsciência do estado de salvação e graça é a segurança absoluta nas promessas de Deus, na sua Palavra. Este é o ponto mais primordial considerado pelos teólogos de Westminster, que a fé, se apoia não no homem, mas em Deus, não na capacidade do homem de fazer o bem, nas em Deus manter sua Palavra firme.
Essa certeza não é uma mera persuasão (...) mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade das promessas de salvação (CFW.XVIII.2).
Um dos pontos fortes de toda a CFW é o de apontar para a Palavra de Deus como sendo a fonte de toda a construção de fé. Precisamos aprender a confiar na Palavra de Deus e em sua Infalibilidade e ter uma profunda certeza de que aquele Deus que promete cumpre.
Deus não é um homem para mentir e nem filho de homem de se arrepender (Nm 23.19).
Portanto, a nossa insegurança da salvação não é outra coisa senão um problema que temos em confiar na Palavra de Deus e no seu poder de salvar o pecador. Sei que muitas vezes, ficamos inseguros ao ver quem somos, mas devemos nos lembrar sempre que quem somos jamais será maior do que aquilo que Deus é, mesmo que sejamos os mais sujos dos homens, podemos confiar que o sangue de Jesus pode nos limpar e perdoar.
Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlate, se tornarão brancos como a neve (Is 1.18).

A CERTEZA DA SALVAÇÃO É CONSTRUÍDA COM A INTIMIDADE CRISTÃ NO ESPÍRITO SANTO

Como um dos fatores importantes para a obediência cristã, a teologia da CFW aponta a obra do Espírito Santo. Sem o Espírito Santo não há transformação do coração humano e, portanto, não condução de pecadores no caminho da obediência. Eles propuseram que a obra a comunhão do crente com o Espírito Santo é onde esta autoconsciência do estado de graça é desenvolvida.
Neste capítulo, podemos notar como os parágrafos 2, 3 e 4 enfatizam a obra do Espírito em ar ao crente esta segurança, por meio do uso dos meios ordinários para demonstração, confirmação e fortalecimento da fé.
NO parágrafo 4, entretanto, esta confiança e segurança da salvação pode ser abalada pela interrupção dos laços de intimidade com o Espírito Santo, mostrando quão importante é essa relação para o desenvolvimento da perfeita varonilidade cristã.
Por diversos modos, podem os crentes ter a sua segurança da salvação abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações (CFW.XVIII.4a).
Essa condição, porém, pode ser revertida por uma renovação desta intimidade do Espírito, o que na verdade, creem os reformados, acontecerá porque Deus não nos deixa para sempre viver em completa e absoluta deserção de fé.
(...) contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever, dessas bênçãos, a certeza da salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito e por meio delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero absoluto (CFW.XVIII.4b).

CONCLUSÃO
O papel pretendido pelos teólogos de Westminster para este capítulo ou para os capítulos XVII e XVIII a CFW talvez tenha sido o de transição. Apontando para uma nova etapa, mais centrada na vida diária e na prática de vivencia cristã.
Um dos pontos que precisamos destacar, no entanto, é a importância do desenvolvimento de uma autoconsciência do estado de graça, como um processo de transformação e amadurecimento da fé, tanto quanto, como isso tornará mais ou menos facilitada a vida do crente em todos os ambientes onde ele é levado a desempenhar o pape vivencial.
Acredito que seja importante para tirar um peso das nossas costas que, muitas vezes, assusta, que é o de se sentir perdido, por não carregar uma confiança tão absoluta na sua própria salvação, uma vez que a falta da autoconsciência da própria salvação não é motivo para afirmar a nossa “não salvação” e, por outro lado, desencadear a busca de um processo de amadurecimento no desejo de reafirmar a confiança na Palavra, por meio dos atos afirmativos de obediência e uma aproximação cada vez maior na comunhão com o Espírito Santo.


domingo, 26 de novembro de 2017

Confessionalidade - Aula 8 - Do Livre Arbítrio

Aula 8
Do Livre Arbítrio


Introdução
A teologia de Westminster é fortemente ancorada em um entendimento da real condição espiritual do homem. Por isto, a construção do seu argumento era progressivo em mostrar como os homens estavam indispostos a andar na direção de Deus por causa do pecado, para depois mostrar a obra do Espírito Santo em transformar a vontade do homem, conduzindo-a de volta a vida de adoração e amor ao Criador.
O capítulo 9 da CFW carrega como tema primordial discutir a condição atual da vontade humana. Este tema é apresentado em um ponto sensível da CFW, pois é um ponto de partida para as obras redentivas que se seguem no coração humano, como veremos no desenho esquemático que apresentaremos no tópico inicial. 
Em nossa aula vamos verificar alguns aspectos deste capítulo. Primeiro, veremos como ele se encaixa dentro da estrutura do todo da CFW e qual a sua funcionalidade prática dentro do todo. Em seguida, vamos nos deter na estrutura interna do capítulo e como ele está internamente organizado. Num terceiro momento, vamos levantar os principais pontos da tratativa do livre arbítrio tratado no capítulo e por fim, vamos levantar algumas conclusões práticas sobre a importância deste conteúdo para a construção de uma mentalidade distintamente cristã. 

UM TEMA EXPLICATIVO – O COMPROMETIMENTO DA VONTADE HUMANA E O PROCESSO DE SALVAÇÃO
Neste primeiro tópico vermos como o capítulo IX da CFW se encaixa no todo e perceber a qual a necessidade de entender o comprometimento da vontade humana e a restauração da sua verdadeira lliberdade como ponto de partida para a ação do Espírito Santo no coração humano.
Dentro da construção do seu pensamento, os teólogos de Westminster parecem desejar instruir a igreja em um entendimento mais completo da obra de redentiva de Deus. Como já vimos fazendo anteriormente, queremos que os alunos notem que o argumento está sendo construído a partir fundamentalmente da Escritura. Eles sabiam que o argumento do sistema calvinista é um choque contra a teologia natural e, por isso, precisaram mostrar qual a verdadeira condição espiritual do homem caído.
Dentro da construção do seu pensamento eles propõe a doutrina calvinista da salvação como sendo um entendimento da REVELAÇÃO DE DEUS. Este entendimento da Revelação Escritural, aponta para o SER PERFEITO DE DEUS como o ponto de partida para toda a obra redencional, começando pela CRIAÇÃO DE TODAS AS COISAS E OS ATOS PROVIDENCIAIS de manter o mundo. A explicação da QUEDA e o PACTO DE GRAÇA de Deus como o homem são os assuntos que resumem a condição atual do homem, seguido pelo ponto de partida prático que é a OBRA DO MESSIAS, o MEDIADOR. Assim, a CFW chega ao capítulo 9, onde ela precisa explicar exatamente qual é o verdadeiro problema do homem em
relação a Deus: 



A INDISPOSIÇÃO DA VONTADE HUMANA. 
Este modelo esquemático mostra como a CFW está estruturada e de que forma o capítulo IX, que trata do Problema da Central da Vontade Humana, é apresentado como um ponto de partida para o entendimento da obra que Deus faz de restaurar o coração humano, redimindo pela obra do Espírito Santo.
O que notamos como pano de fundo do argumento de Westminster é a contrapartida à teologia arminiana e católica que desprezavam a extensão e a profundidade do comprometimento da vontade humana por causa do pecado. Neste sentido o capítulo IX é um capítulo explicativo, uma espécie de ponto de partida para tornar o argumento da obra do Espírito Santo mais fácil de se compreender. Em outras palavras, eles compreenderem que todos precisamos saber exatamente o que está acontecendo no coração humano, para que possamos desenvolver uma atitude positiva em relação à obra de Redenção que Deus desenvolve em nós, por meio do Sacrifício expiatório de Cristo e a aplicação destas virtudes no coração humano pelo Espírito Santo.

O CAPÍTULO IX E SUA ESTRUTURA INTERNA
O capítulo IX da CFW foi divido em 5 parágrafos e o tema central é A LIBERDADE DA VONTADE – O Livre Arbítrio da Vontade. Em todos os parágrafos, a palavra VONTADE é apresentada como sendo o ponto a ser explicado.
Toda a CFW está disposta para nos ensinar à respeito da resposta que devemos dar aos atos providenciais de Deus para nos salvar. O capítulo IX, entretanto, trabalha com o que realmente acontece em nós que nos impede de viver naturalmente para o Criador, isto é, O COMPROMETIMENTO DA VONTADE HUMANA.

A Vontade Humana foi Criada Livre
Neste capítulo, em sua primeira parte os teólogos trabalham com a ideia criacional da vontade humana, que é a de liberdade total para agir.
Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza (CFW IX-1).
Para os teólogos de Westminster, o homem foi criado com essa excepcional capacidade de agir livremente, segundo o seu querer, nem forçado ao bem, muito menos ao mal. Isto implica em um estado peculiar da natureza livre da vontade humana no momento em que este foi criado.
Num segundo momento, dentro deste primeiro aspecto criacional, os teólogos de Westminster organizam o texto para mostrar um detalhe desta condição criacional da vontade, que é o centro do que chamamos de livre arbítrio, a capacidade de agir de forma a mudar o seu estado de santidade original.
O homem em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse cair dessa liberdade e poder (CFW IX – 2).
A primeira parte deste capítulo, portanto, aponta para a condição criacional da vontade humana e explica que o homem foi criado com uma liberdade total da vontade para agir sem ser forçado a nada, nem por sua natureza santa. Por outro lado, nesta primeira parte, eles explicam que o homem foi dotado criacionalmente com a capacidade de mudar sua condição de santidade e agir contrariamente à sua natureza, de forma que lhe foi dado a condição de cair dessa liberdade, escolhendo agir contrariamente à natureza com que foi criado para agradar o Criador.

A Queda produziu o cativeiro da vontade humana
O segundo ponto do capítulo IX é o central para a intenção dos teólogos na construção dos seus argumentos sobre a obra de Redenção e eles o explicam nos parágrafos 3 e 4, em dois momentos distintos.
O primeiro momento desta explicação é o de afirmação do poder do pecado em gerar um cativeiro para a vontade humana, levando o homem a viver compleamente comprometido com uma condição de aversão ao bem espiritual e à busca de Deus.
O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder da vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem natural, inteiramente avesso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso (CFW IX – 3).
O tópico da profundidade e extensão do comprometimento da capacidade humana já havia sido tratado na CFW no capítulo VI, que trata da QUEDA DO HOMEM.
Por este pecado eles decaíram de sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as faculdades e partes do corpo e da alma (CFW VI-2).
Desta corrupção original, pela qual ficamos totalmente indispostos, incapazes e adversos a todo bem e inteiramente inclinados a todo mal, é que procedem todas as transgressões atuais (CFW VI-4).
Desta forma, os teólogos de Westminister deixam claro o que realmente acontece no homem, enquanto este não é atingido pela obra de redenção. A discussão teológica que está por detrás deste parágrafo 3, do capítulo 9, era contra a posição católica de que a vontade humana era boa ou a visão arminiana de que havia uma graça preveniente agindo na mente humana antes da conversão.
Por isso, o parágrafo 4, do capítulo 9, aponta assertivamente para o fato de que Deus é quem age para libertar o homem deste cativeiro da vontade, devolvendo-lhe à condição de capacidade de fazer de novo escolhas espiritualmente boas.
Quando Deus converte o pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e a fazer com toda liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau (CFW IX – 4).
Neste segundo momento, a CFW propõe que a ação de libertação do homem acontece primordialmente no rompimento das cadeias de escravidão a que o pecado sujeitou o homem. Aqui a CFW enfatiza que este é um agir gracioso de Deus e que o que ele produz não é uma santidade obrigatória, mas uma capacitação ou habilitação da vontade de voltar a fazer a escolha livre pelo bem.
No final do parágrafo, os teólogos de Westminster apontam para o fato de que a presença do mal no coração humano, não é retirada totalmente e continua afetando a vontade humana, embora, no caso do regenerado, isso não seja mais uma condição de escravidão, mas sim de escolha pecaminosa. Isso, em parte, a CFW já havia ponderado quando descreveu o processo da queda.
Esta corrupção da natureza persiste, durante esta vida, naqueles que são regenerados, e embora seja ela perdoada e mortificada por Cristo, todavia tanto ela como os seus impulsos são real e propriamente pecado (CFW VI-5).

A Vontade Humana Será Liberta Totalmente da Escravidão na Glória
O tópico final do capitulo 9 é bem sucinto e aponta para a realidade da redenção final. Nele há uma palavra que revela uma visão gloriosa da redenção final que é a condição de imutabilidade que será conferida à natureza humana, depois da obra final do Espirito Santo no coração humano, isto é, a glorificação.
É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só (CFW IX – 5).
Eles tentam contradizer alguns anabatistas e outros grupos que acreditavam em uma condição humana de impecabilidade neste humano, além de explicar em parte o que acontece com a igreja que ainda revela sinais de sua queda, apesar da obra regeneradora do Espírito Santo.  

QUAL A CONDIÇÃO REAL DA VONTADE HUMANA HOJE?
O ponto proposicional central deste capítulo é nos dizer que A VONTADE HUMANA ESTÁ COMPLETAMENTE COMPROMETIDA, isto é, que não existe mais livre arbítrio para a vontade humana, senão que o pecado é quem determina as nossas escolhas atuais e faz o homem ser avesso a todo bem espiritual, isto é, compreender a vida a partir e para o seu Criador.

A Vontade Humana Está Totalmente Cativa do Pecado e Não Há Livre Arbítrio da Vontade
Eles procuram nos fazer entender que Deus não criou o homem desta forma e não o submeteu a esta condição, que foi o homem que se enfiou neste caminho de astúcias pecaminosas, como Salomão havia dito:
Eis o que tão somente achei: que Deus fez o hoem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias (Ec 7.29).
Desta forma, eles enfatizaram a condição bíblica de explicação sobre a natureza caída comprometida em obedecer ao pecado como um senhorio maligno ditando as inclinações da vontade humana.
Porque bem sabemos que a lei é espiritual, eu , todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado (Rm 7.14).
Para a CFW, precisamos reconhecer nossa completa incapacidade de qualquer bem espiritual (Rm 3.9ss) e nossa condição de miséria e condenação inevitáveis, para que nos preparemos para uma obra de redenção baseada completamente na graça de Deus e não em nunca em nós mesmos.

A Graça de Deus é o ponto central da nossa possibilidade de salvação
A CFW reforça a visão calvinista da salvação como obra inteiramente da graça, ao mostrar que somente Deus e pela sua graça é quem pode intervir na condição do homem e mudar as inclinações da sua vontade, habilitando-a novamente a querer o bem espiritual, isto é, agir de conformidade e na direção do Criador.
Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados (...) e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo (...) pela graça sois salvos (Ef 2.1-5)
Por isso, o que a CFW faz é propor uma visão pessimista do homem caído e otimista para o homem redimido. O pessimismo nasce de uma percepção completa do que o pecado fez na natureza humana e o otimismo vem da revelação do plano de salvação, do pacto de graça, por meio do qual, através do sacrifício de Cristo e da obra do Espírito, Deus salva o homem.

A Salvação é uma obra de Deus por meio do Espírito – preparando para explicar a obra do Espírito Santo.  
A CFW neste capítulo 9, abre alas para uma explicação completa da obra do Espírito Santo que se seguirá nos capítulos que seguem.
Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz. Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar. Portanto, os que estão na carne, não podem agradar a Deus. Vós, porem, não estais na carne, mas no Espírito (...) SE porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito é vida por causa da justiça. Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificara também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito que habita em vós (Rm 8.6-11).
Esta explicação apontará para o modo como Deus vencerá a indisposição da nossa vontade mudando o coração humano, por meio da obra do Espírito Santo.

Conclusão
As conclusões a que chegamos neste capítulo são simples e necessárias. Primeiro, precisamos compreender que a vontade humana está comprometida em fazer a vontade do pecado e não a Deus. Portanto, o homem resiste a fazer a vontade de Deus e se inclina para o afastamento do Criador.
Compreendendo esta dificuldade humana na sua relação com Deus, o homem precisa de Deus para que este o restaure a vontade e a habilite a crer e a querer viver para a sua glória. Desta forma, precisamos de uma atitude de humildade na busca da presença de Deus e da mortificação a nossa carne para que o Espírito manifeste o seu poder em nós.

Porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis (Ez 36.27).