domingo, 22 de setembro de 2013

Santificação Como Um Processo Inteligente

Introdução
A santificação não é um processo de gradual amadurecimento passivo, ocorrido por uma mecânica mística. Ao contrário, trata-se de um processo consciente e sinérgico, isto é, envolve inteiramente os mecanismos da razão, vontade e emoção humana.
Nessa aula, vamos nos deparar com a função cognitiva na construção de nossa santificação pessoal e perceber que a Escritura apresenta a santidade como um dever individual diante de Deus.
O Dever de Uma Vida Santificada
O primeiro passo a considerar nessa matéria é assumir que a santificação é uma responsabilidade que Deus cobrará de cada um de nós.
Em Hebreus 12.14, o escritor bíblico deixa claro esse princípio ao dizer:
Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor (Hb. 12.14).
O termo traduzido por “segui” (diôquete) vem grafado no imperativo e impõe a paz e a santificação como elementos a serem alcançados necessariamente.
Quando estudamos o termo Kadosh, no Antigo e no Novo testamentos vimos duas ênfases mais comuns para o mesmo: o ideal de purificação e o de consagração. No caso do escritor aos hebreus ele está sugerindo que a consagração da vida deles (Olhando firmemente para o autor e consumador da fé - verso 2) seja entrelaçada como causa e efeito do processo de purificação e abandono do pecado (desembaraçando-nos de todo peso e do pecado - verso 1).
Para ele, esta é uma das mais importantes e necessárias lutas que ocorrem no âmbito da nossa individualidade vivencial nessa terra e precisa ser encarada com a máxima sinceridade e discernimento.
Ora, na vossa luta contra o pecado ainda não tendes resistido até o sangue e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: filho meu, não menospreze a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo o filho a quem recebe (Hebreus 12.4-5).
Deus não criou uma estrutura de correção para mudança do nosso caráter sem que desejasse com isso que houvesse uma participação ativa de nossa consciência no processo. Por isso, devemos investir em uma participação consciente e eficiente de nossa mente em todo o processo de santificação da nossa vida.
Santificação Como Um Processo da Inteligência Ativa do Ser Humano
Algumas vezes, o protestantismo histórico foi acusado de ser uma fé puramente racional. Evidentemente, não é justa essa acusação, pois, ainda que primemos por uma participação consciente da razão no mecanismo da santificação, entendemos que outros elementos da inteligência, como a vontade e a emoção estão claramente presentes e precisam ser considerados. Além, é claro, da obra imprescindível do Espírito Santo, sem o qual, nenhuma voluntariedade é despertada no ser humano.
Contudo, de fato, a fé reformada considera de forma muito importante a participação efetiva da racionalidade humana no processo de mudança de paradigmas vivenciais diante de Deus, os quais nos movem para um viver que agrada ao Criador.
Santificação e Padrão de Santificação
Quando a Escritura apresenta Deus como o paradigma da santificação, ela está propondo uma reflexão comparativa e isto se configura em um processo de uso da inteligência.
Santos sereis, porque eu, o Senhor sou santo (Lv 19.2).
Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo (1Pe 1.14-16).
Como é possível notar nesses textos, a santificação é um processo de padronização dos filhos ao seu Pai Celestial que é santo. Para tanto, uma avaliação da santidade de Deus é necessária para que eu compreenda o que é santificação. Em outras palavras, devo desenvolver habilidades cognitivas para o discernimento do padrão e eficaz aplicação na minha vida.
Um exemplo emblemático dessa ação comparativa é o caso de Isaías que esteve no templo e viu o Senhor, percebendo assim sua indignidade pecaminosa (Is 6.1-5). A percepção da realeza e pureza do Senhor (Santo, santo, santo...), conduziram Isaías a uma autorreflexão e ao processo de quebrantamento e prostração, para que depois disso, fosse conduzido à santificação.
Cristo Jesus, como varão perfeito, é apresentado na Escritura como paradigma de imitação e verdadeira santidade. Por isso, precisamos do exercício racional do discernimento de quem é Cristo para que possamos nos moldar a esse modelo.
Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, como aroma suave (Ef 5.1-2).
Calvino insistia nesse modelo de discernimento como princípio do processo de santificação. Nas Institutas, sua obra magna, ele apresenta o conhecimento de Deus como um fundamento do autoconhecimento. E, diferentemente da “Devotio Moderna” (movimento católico romano de retomada da santificação como padrão de vida, durante a Idade Média - pesquisar sobre Thomas Kemps a Imitação de Cristo), Calvino não propunha uma busca da santificação pela condução mística da vida.
Ainda que aceitemos que muitos dos temas propostos por Thomas Kempis tenham ressonância nos Escritos de Calvino, este se propõe a um modelo de transformação ativa e não passiva, quando retrata o processo da santificação. Em outras palavras, Calvino considerava que a verdadeira santificação seria proveniente de um conhecimento ativo de Deus e Cristo, que seria um processo sinergético em que o Espírito Santo conduz o nosso espírito a ter consciência e clamar “Aba Pai” (Rm 8.15-16).
Jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo tempo a santificação do Espírito. (...) A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do seu Espírito. Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé se deve separar do afeto piedoso (Institutas III.2.8).
Santificação e Consciência do Pecado
Outro ponto que reforça a ideia de santificação como um processo inteligente é a necessidade da “consciência do pecado”. Ao longo de toda a Escritura, a Redenção é apresentada a partir de um processo de admissão da necessidade do ser humano.
A Palavra diz que redimirá toda a Criação e ilustra esse ponto propondo qualidades humanas à Criação em geral ao dizer que ela possui expectativas (Rm 8.19). Mas, evidentemente, as árvores da floresta, assim como os animais todos não desfrutam de um perceber racional do seu estado e da condição nova prometida por Deus. Essas criaturas estão em um cativeiro de pecado, não por vontade própria, mas porque foram sujeitos a essa condição pelas ações dos homens, que as sujeitaram (Rm 8.20).
Enfim, a Redenção é um processo que se inicia na obra da regeneração do Espírito, que em seguida nos conduz ao experimentar da consciência do pecado, da perdição e do juízo sob o qual vivemos em ameaça de condenação eterna. Portanto, o Espírito Santo, entre tantas obras que realiza no aplicar da Redenção à nossa vida, nos desperta para a consciência do nosso estado de pecado.
Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8).
A santificação, como já vimos no exemplo de Isaías, é um processo decorrente de uma consciência da santidade de Deus, mas também da nossa pecaminosidade. Esse processo de autoconhecimento do próprio pecado não deve ser visto apenas com o objetivo penitenciatório, mas deve nos conduzir ao arrependimento, ou mudança de paradigma e conversão dos caminhos. Este é o contexto de Hebreus 12.14, nosso texto base.
Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco, antes, seja curado (Hb 12.12-13).
Santificação e Consciência da Necessidade do Próximo
Um fator conceitual muito importante do processo de santificação é que ela, apesar de se tratar de um evento que ocorre no âmbito da individualidade da relação com Deus, não é um processo que ocorre em um vazio ou em uma situação de ilha. A santificação é um processo que envolve ativamente a nossa relação coletiva.
Voltando ao nosso texto base, o seu contexto direto é o capítulo 11, a galeria da fé. A descrição de todas as ações dos homens de Deus no passado e a sua luta por viverem para a glória de Deus, em obediência e fé, culmina com o início do capítulo 12, quando diz que eles nos servem de testemunhas.
Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta (Hb 12.1).
Ao nos servirem de testemunhas, pelo seu exemplo, isto é, ao provocarem nossa capacidade de avaliar a sua jornada e a nossa, deseja o escritor que tomemos esses exemplos de fé e nos despertemos para a necessidade que temos de deixar modelos para outroas. Decorre, portanto, as frases inclusas no contexto geral desse capítulo que ligam a nossa busca de santificação com o equilíbrio de outras pessoas.
(...) e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco, antes seja curado (Hb 12.13).
Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, atentando diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus, nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos pertube, e, por meio dela, muitos sejam contaminados, nem haja algum impuro ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura (Hb 12.14-16).
Muitos outros textos nos conduzem a essa reflexão sobre a necessidade de que a nossa santificação se relacione diretamente com as necessidades espirituais de outras pessoas.
Infelizmente, em um contexto de exacerbado “egocentrismo”, prevalece o princípio da individualidade distante da relação com o próximo e, até mesmo nas relações intrafraternais da vida de fé, a quem busque na individualidade da santificação toda a receita do viver digno de Cristo.
Nenhuma santificação é verdadeira se o amar ao próximo e participar do seu crescimento não é uma realidade do seu viver com Deus. O amar a Deus sobre todas as coisas não é condicionado, mas está diretamente ligado ao processo de capacitação para a amar o próximo como a nós mesmos e isto inclui até mesmo os nossos inimigos.
Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado (1Jo 4.12).
Esse amor ao próximo deve ser fruto direto de nossa percepção da necessidade do outro. Essa percepção da necessidade espiritual do outro é fruto de um exercício da inteligência que aplica os elementos da razão, vontade e emoção. Em outras palavras, a santificação pessoal se desenvolve primordialmente em nossa capacidade de buscar o interesse do outro, como ponto de partida da nossa percepção de utilidade para Deus.
Conclusão
Observamos nessa aula que o processo de santificação é um dever que só pode ser atendido por meio de uma percepção consciente de Deus, da nossa pecaminosidade e da necessidade do nosso próximo.
Devemos, então, investir energia nesses elementos por meio de um continuo e profundo conhecimento de Deus, que nos dará uma condição mais segura para estabelecer os padrões de comparação com Cristo que precisamos para imitá-lo.
Naturalmente esse processo de conhecimento de Cristo nos conduz a necessidade do autoexame e da busca de mudanças pessoais de comportamento e status de nossa vida cristã. Deixar o comodismo de viver segundo os princípios do próprio coração e buscar no parâmetro de Cristo a verdadeira vida com Deus é o caminho mais seguro para a purificação e consagração da vida.
Por fim, baseado no fato de que nossa fé não se desenvolve em uma ilha existencial, a proximidade com as necessidades da coletividade da família da fé e também dos outros homens do mundo, nos oferecerá o mais completo pátio de treinamento e exercício da nossa vida com Deus. Trata-se de avaliar essas condições que devemos considerar o uso dos elementos da racionalidade para nos aproximar das pessoas e vê-las em suas necessidades.
Aplicação
Procure conversar com os colegas de sala e em uma construtiva discussão, descubra meios de que, em coletividade, todos possam se estimular a crescer no processo de santificação.
Quais os elementos que podemos identificar que atrapalham nosso crescimento individual e coletivo. De que maneira a Escola Dominical oferece-se como mecanismo de ajuda no processo e qual a importância de nos aplicarmos mais no conhecimento de Cristo.



domingo, 8 de setembro de 2013

Estudos em Soteriologia - O Pecado da Soberba

Introdução

O pecado é o maior de todos os problemas do ser humano. Por causa da sua presença, a vida humana funciona debaixo de uma estrutura invertida, onde o homem procura ser o centro de todas as coisas e rejeita a proeminência do Criador.Para que o homem viva de uma maneira que agrade a Deus é necessário o restabelecimento da estrutura criacional original e trazê-lo de volta ao funcionamento teocêntrico de sua vida.
A redenção insere na vida humana duas realidades: a primeira é a garantia da vitória sobre o pecado (justificação); a segunda é a necessidade de fazer morrer a velha natureza pecaminosa que ainda insiste em nos fazer viver egocentricamente (santificação). Esta última é precisamente uma ação que a homem pode e deve participar.Estudar a respeito da soberba, investigando o lugar que ela ocupa no sistema egocentrado de vida, proporciona uma maior capacidade de realinhamento de nossa disposição de viver teocentricamente e agradar a Deus. Nesta lição vamos considerar o que é necessário saber e fazer para que a soberba não nos domine.

 

I. Definindo ontologicamente a soberba

Ontologico é aquilo que diz respeito à natureza do ser. Definir ontológicamente a soberba é estudar como ela está presente na natureza humana. Vamos nos limitar a entender alguns aspectos ontológicos da soberba na experiência humana.

 

A. O que é a soberba

A palavra grega “superbia” recebe algumas traduções no texto bíblico: soberba, orgulho, altivez, entre outros. Agostinho de Hipona, um dos teólogos mais importantes do cristianismo, entendia que a “superbia” (orgulho, soberba) estava na base de todos os outros pecados e definia esse mal como o “encurvamento do homem a si mesmo”.
A soberba é uma inclinação do homem a si mesmo, um sentimento de autoamor idolátrico que transporta a mente humana para uma forma autocentrada de pensar. Comumente ela é reconhecida pelo exceço de autovalor, mas sempre o soberbo é aquela pessoa que conta vantagens de si mesmo. Algumas vezes, a soberba se esconde por detrás de desculpas como “honra”, “bem estar”, etc.. e por isso, sabendo que a soberba muitas vezes se disfarça, o salmista clamava: “...também da soberba guarda o teu servo” (Sl 19.12-13). O perigo que o salmista identificou é que a soberba poderia dominá-lo.

B. Como a soberba veio fazer parte da experiência humana

A soberba sobreveio ao homem quando o pecado entrou no mundo. A tentação do Jardim do Éden consistia primordialmente de uma negação da submissão à ordem de Deus e numa tentativa de um viver independente.
Quando a serpente ofereceu o fruto à Eva usou dessas palavras: “...como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5.b). O homem desejou demarcar os seus próprios limites.
Deus havia dado toda a liberdade para o homem: “...de toda árvore do jardim, comereis livremente” (Gn 2.16), entretanto, essa liberdade era limitada pela vontade do próprio Deus e isto ficou simbolizado na proibição de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. O homem, no entanto, rejeitou essa demarcação de desejou uma liberdade autônoma, centrada em sua própria vontade (Gn 3.6).
Homem e mulher foram despertados para um desejo novo, que violava a vontade de Deus e começaram uma relação com a Criação que tinha como centro a sua própria vontade e autoamor. Antes, a respeito da daquela árvore diziam: “Deus disse: dele não comereis, nem tocareis nele” (Gn 3.3), mas no verso seis o que se destaca é que retiraram Deus e perceberam a árvore sem Deus: “vendo a mulher que a árvore era boa... agradável... e desejável”.
A soberba havia lançado suas raízes. Um autoamor idolátrico e a vida centrada no ego ocupara espaço na mente do homem que foi dominado e sucumbiu. Foi assim, que a estrutura criacional fora invertida e o homem passou a buscar a si mesmo em lugar de Deus (Sl 14.3; Rm 3.10-12).
Desde então, arrogantemente o homem se tornou rebelde e resistente ao governo de Deus (Sl 2.2-3). Ao inverter a ordem criacional, a soberba conturbou todos os tipos de relacionamento e dessa forma desequilibrou todos os tipos de estruturas de autoridade e limites que se devem respeitar. O homem passou a existir como um ser “encurvado para si mesmo”, na busca de seus próprios interesses e propenso a buscar posições e desejar coisas elevadas para si mesmo (Gn 11,4).

 

C. Onde a soberba atua na natureza humana.

Como a soberba exerce o seu controle sobre o homem e onde ela atua para que o domine? Conhecer o método da ação da soberba nos permite também preveni-la e cuidar antes que se torne efetiva em nossas ações.
Em Marcos 7.1-23, Jesus apresenta uma importante discussão sobre o poder do pecado na vida do homem. Fariseus e escribas acusavam os discípulos de Jesus de não andarem segundo as tradições, pois comiam sem se purificar antes (Mc 7.5). Usando o exemplo da quebra do quinto mandamento (Mc 7.10-13), Jesus responde dizendo que o problema da contaminação do pecado não ocorre de fora para dentro, por meio da ingestão de alimentos, mas acontece de dentro para fora, por aquilo que sai do homem, isto é, as suas mais secretas intenções (Mc 7.15).
Na conclusão dessa discussão com os líderes judaicos, Jesus apresenta o ponto central da atuação do pecado: o coração (Mc 7.21-23). A sede da vida interior do homem está contaminada. Então, como uma nascente de rio, o coração contaminado com o pecado espalha o resultado dessa contaminação por tudo o que o homem faz. Por isso, o sábio aconselha que se tenha prioridade em guardar o coração (Pv 4.23).
Na descrição apresentada por Jesus, encontramos a “soberba” (Mc 7.22). Ela atua a partir do coração humano e, por isso mesmo, domina o homem contaminando as ações, pensamentos, desejos humanos. Cuidar do coração é fundamental, por isso, o salmista se justifica diante de Deus: “...não é soberbo o meu coração” (Sl 131.1).

II. Os prejuízos da soberba
            A soberba, ou o orgulho pecaminoso, produz muitos males. Seu poder contaminador é muito grande e influencia fortemente as ações humanas. Quando o ser humano é conduzido pela soberba do seu coração trilha uma estrada onde colhe muitos prejuízos.

 

A. A soberba prejudica o relacionamento com o próximo.

Um dos casos bíblicos mais conhecidos sobre a ação da soberba humana é o episódio entre Caim e Abel (Gn 4.1-8). Caim, conduzido pela soberba do seu coração, não se inclinou a Deus para ouvir as instruções do Senhor (Gn 4.7). Dominado pela soberba do coração matou Abel, como uma forma de autoafirmação.
A soberba influencia o coração humano a pensar egocentricamente e, por isso, usa a ganância como pensamento matriz da relação humana. Pensando em si mesmo, o soberbo não se conduz pelo mandamento de amar o próximo, mas é o autoamor idolátrico que o comanda. Por isso, os seus relacionamentos com o próximo são muitíssimo prejudicados.
A Bíblia fala que os soberbos perseguem o próximo (Sl 140.5); vivem em contendas (Pv 13.10); são arrogantes (Pv 21.24); violentos (Sl 73.6; Is 13.11); mentirosos (Sl 59.12; 119.69); incapazes de agir com misericórdia (Ez 16.49) etc. Enfim, a soberba prejudica o homem no seu relacionamento com o próximo.
Por causa da soberba, os homens têm dificuldade em ajudar o próximo, perdoar, valorizar o outro e desenvolver um relacionamento sadio sem pensar em tirar vantagens pessoais. O soberbo, por pensar egocentricamente, não consegue amar o próximo com a atitude voluntária que a palavra de Deus exige (Mt 22.39; Fp 2.3-4).

B. A soberba prejudica o relacionamento com Deus.

A inversão dos valores criacionais faz o soberbo retirar Deus do centro de sua existência. Ainda que ela tenha algum respeito a Deus, a inclinação do coração do soberbo o afasta de fazer de Deus a sua prioridade. Na verdade, ele tenderá a considerar Deus como um instrumento de sua vontade egocêntrica.
A soberba induz o homem a resistir à vontade de Deus, por não admitir que Deus o domine ou limite (Sl 2.2-3; Jr 18.11-12). O coração do soberbo não consegue abrigar a ideia de se submeter a Deus e, por isso, Deus oferece resistência ao soberbo (1Pe 5.5; Tg 4.6).
Quando a soberba dirige o coração do homem, ele rejeita a Lei de Deus e tenta fazer o seu próprio caminho (2Cr 26.16-19; Ne 9.16). Desta forma, o relacionamento entre o soberbo e Deus pode seguir duas premissas: a rejeição total de Deus (Sl 10.4) ou a tentativa de usar a religião como um método de autossatisfação (Am 4.4-5; Is 29.13-16).
O soberbo entra em conflito com o Altíssimo e, por não se inclinar e submeter a Deus, está posto em lugar de grande risco de destruição (Sl 73.3-9, 18; Pv 16.18-19). A soberba prejudica grandemente o relacionamento do homem com Deus.

C. A soberba traz prejuízos para a própria pessoa.

O soberbo, por causa do egocentrismo, não confia nas pessoas e não é solicito em ajudá-las. Também, por causa da sua contínua resistência a Deus, não sente o prazer e o consolo da companhia de Deus. Por isso sofre pessoalmente em um tipo de vida incerta, insegura e muito solitária. A soberba, portanto, oferece grandes prejuízos à própria pessoa.
Esses prejuízos pessoais do soberbo são aumentados quando sua soberba recebe a necessária disciplina que vem de Deus (Is 2.12; Jó 40.12). A humilhação é o caminho final dos soberbos, que são arruinados por causa da altivez do seu coração (Pv 16.18). Herodes, o soberbo rei que perseguiu e matou Tiago, morreu de forma surpreendente (At 12.21-23); Nabucodonosor foi humilhado, até que reconheceu o Deus Altíssimo (Dn 4.28-37; 5.18-21); Uzias, depois de ter sido ajudado por Deus, foi humilhado por causa da sua soberba (2Cr 26.16-21). Esses são alguns exemplos do prejuízo que advém sobre todos os que se deixam conduzir pela contaminação da soberba.

III. Como lidar biblicamente com a soberba?

O objetivo de toda a Lei de Deus é nos fazer amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Isso mostra que a soberba não deve ter lugar na vida do crente. Evidentemente, Deus agirá para retirar a influencia da soberba em nosso coração e a Escritura estabelece os princípios deste agir divino.

A. Não negue, nem “tape o sol com a peneira”

Às vezes, as pessoas tentam se convencer de que suas atitudes não são fruto da soberba do seu coração. Procurarm justificar seus atos com frases do tipo: “preciso me valorizar” ou “tenho um pouco de orgulho próprio” etc.. É possível que algum tipo de orgulho seja aceitável, como o orgulho pelas realizações de um filho ou as próprias, mas a soberba produz um tipo de orgulho pecaminoso diferente, que faz a pessoa a pensar e agir contrariamente à Lei de Deus.
Não precisamos negar que algumas vezes rejeitamos a ajuda a alguém ou resistimos à vontade de Deus por causa do orgulho pecaminoso. Reconhecer que o pensamento ou a ação foi fruto da soberba do coração é o primeiro passo para o arrependimento e até a prevenção de pecados (Sl 32.1-3).
É dessa perspectiva do reconhecimento do pecado que Tiago escreve no capítulo 4 de sua carta (Tg 4.1-4). Ao reafirmar a oposição entre Deus e o soberbo (Tg 4.6), Tiago exorta a sujeição a Deus como saída para o homem.

B. Sujeição a Deus

A sujeição a Deus é uma atitude mental que irá ajudar a prevenir ou corrigir a soberba. Muitas vezes, Deus ordena a história de nossa vida para nos ensinar o caminho da sujeição a ele (Dt 8.2-3).
O soberbo procura a autoafirmação e exaltação pessoal e nesse caminho colhe muitos prejuízos. Mas, aos homens que se sujeitam a Deus, submetendo-se à sua vontade, o próprio Deus é quem os exalta (1Pe 5.6).

C. Cultivar a humildade e o amor

“Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6). Assim como Tiago, Pedro também indica a humildade como a atitude a ser cultivada para que a soberba não domine o coração: “...cingi-vos todos de humildade” (1Pe 5.5).
O cultivo de uma atitude humilde é um ato de obediência que previne que a soberba do coração domine o homem. Voltando ao episódio de Caim e Abel, a proposta de Deus para o filho mais velho de Adão foi que tivesse uma titude humilde e repreendesse o seu próprio coração.
A humildade é desenvolvida em meio a uma consideração séria da nossa dependência de Deus (Tg 4.7-8a). Também é fortalecida por meio de um grave senso dos pecados, que nos conduz a um verdadeiro arrependimento (Tg 4.9-10; Os 5.15; 2Co 7.10).
O resultado natural da humildade é a disposição para amar o próximo. O amor é o cumprimento da Lei (Rm 13.8) e a prática do amor nos ajuda a prevenir toda a soberba. Essa é a instrução do apóstolo Paulo em Romanos 12.
Inicialmente o apóstolo propõe que a nova vida que agrada a Deus (Rm 12.1) inplica em uma atitude humilde de moderação (Rm 12.3). Essa atitude é seguida de um serviço de amor ao outro no uso dos nossos dons em benefício do nosso próximo (Rm 12.16). O amor surge no lugar da soberba e nos ajuda a vencê-la.

D. Imitar Jesus

O maior e mais completo exemplo de humildade é Jesus. Paulo, na carta aos Filipenses, nos convoca a imitar o seu exemplo: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus...” (Fp 2.5-9).
Paulo nos chama a desenvolver o mesmo comportamento humilde de Cristo Jesus e aprender, se necessário, a abrir mão até mesmo de nossos direitos para que uma atitude de humildade nos aproxime de Deus e do nosso próximo (Fp 2.3-4).
O comportamento humilde vai esvaindo as forças da soberba e sua influência sobre nossa natureza. Nosso coração deve ser guardado humilde, por isso, a oração do salmista, mais uma vez é de grande importância: “Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão” (Sl 19.13).

Conclusão
A soberba é fruto do pecado que atingiu toda a natureza humana. Atuando em nosso coração, ela nos afasta de Deus, do nosso próximo pela busca egocêntrica da autoafirmação e busca da independência em relação a Deus.
Sabendo que ela atua no coração humano e, por isso, tem o poder de contaminar todos os pensamentos e ações, devemos trabalhar diligentemente usando todos os recursos que Deus disponibilizou em sua palavra para que a enfrentemos.
O melhor caminho é começar a analisar se a soberba está espalhando a sua influência em nossa vida e procurar refrear essa ação. Para preveni-la, devemos buscar a Deus, por meio da oração e da imitação de Cristo, desenvolvendo uma atitude humilde e de amor.
Um viver teocêntrico, que agrada a Deus, depende de uma atitude sensata de abandono da soberba.

Aplicação
Procure conversar com outras pessoas a respeito de momentos em que agiram ou pensaram de forma soberba e como corrijiram essa atitude. Fale sobre os efeitos ruins da soberba e como é possível evitar muitos males se ela for abandonada.
Proponha ações práticas que ajudem a promover a interação com o próximo, de tal maneira que o amor possa ser exercitado na igreja, família e em meio à comunidade em que você vive.