sábado, 18 de abril de 2015

Pneumatologia - A Lista dos Dons do Novo Testamento - 1Coríntios 12 - parte 2

Dons Diaconais para o Cuidado Natural da Igreja
Algumas vezes, temos dificuldade para entender a fé como um dom aparte, por confundirmos este dom da lista paulina com aquela fé de que o mesmo Paulo fala em Efésios, que é um dom de Deus.
Na verdade, devemos fazer distinção do uso da palavra fé em alguns contextos da Escritura. Temos a fé salvadora, exatamente aquela falada por Paulo em Efésios 2. Esta não se trata de um carisma do Espírito que ele concede a uns e outros não. Ao contrário, esta fé salvadora é uma graça a todos os eleitos, quando estes entram no processo do Novo Nascimento.
Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus (Efésios 2.8).
A palavra “Fé” também aponta para um conjunto de verdades que aprendemos e nelas cremos, a nossa fé evangélica (Filipenses 1.27), que Judas preferiu chamar de “fé uma vez por todas dada aos santos”.
Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos (Judas 3).
 Judas não está se referindo à fé salvadora aqui, mas a um conjunto de verdades que a igreja recebeu como herança dos profetas, de Cristo e dos apóstolos que deveriam guardar, porque havia falsos mestres tentando deturpar estas verdades. Mais à frente na sua carta ele chama este conjunto de verdades de “fé santíssima” (Judas 20).
Por fim, falemos da palavra “fé”, significando uma incrível confiança, capaz de nos mover segundo a vontade de Deus, mesmo em situações mais difíceis. Um dos maiores exemplos deste tipo de fé é Abraão.
Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança, e partiu sem saber aonde ia (Hebreus 11.8).
Em geral, no lugar de Abraão, muitos crentes gostariam, ao menos, de ver o mapa ou os planos de viagem senão, não embarcariam nessa empreitada.
Acredito que este tipo de fé é o que trata o dom da lista de 1 Coríntios. Uma capacidade especial que alguns recebem para confiar que Deus haverá de prover tudo, mesmo quando todas as coisas apontam em sentido contrário.
Pessoas com este dom são muito úteis como visionários do trabalho do Senhor e são capazes de ver coisas realizadas onde nada existe. São aqueles que contagiam os demais com esperança, com idealismo.
Este é um excelente dom para pessoas que desejam liderar o  povo de Deus e também para aqueles que são chamados para tarefas de reforma e mudança do contexto.
Inclui este dom na lista dos dons de cuidado diaconal do povo de Deus. Outros autores podem pensar neste dom como um dom misto que se ligue também aos dons da palavra. Não faço objeções a este ponto de vista.
No entanto, quando penso neste dom, eu vejo um dom que promove o ânimo e a esperança do povo desesperançado do Senhor. É um tipo de dom muito útil para pessoas que desejam ser úteis levantando o povo de Deus para a batalha e a seguir adiante. Missionários também que possuem este dom são mais motivados a seguir adiante na evangelização porque sempre vislumbram o que muitos não conseguem e deixam-se se mover por esta extrema e incomum confiança.
Dons de curar
Os dons de curar foram muito importantes no contexto da Igreja iniciante do século 1, principalmente porque serviram ao duplo propósito de cuidar da igreja, mas também de propagação do Evangelho, assim como as curas atestavam a messiânidade de Jesus.
Vós conheceis a palavra que se divulgou por toda a Judéia, tendo começado desde a Galiléia, depois do batismo que João pregou, como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele (Atos 10.37-38).
As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava. Pois os espíritos imundos de muitos possessos saiam gritando em alta voz, e muitos paralíticos e coxos foram curados (Atos 8.6-7).
(...)como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade (Hebreus 2.3-4).
Assim como sobre o dom de línguas há muita discussão sobre a sua permanência na igreja cristã ou se fora restrito ao período apostólico como um atestado claro da pregação da Palavra de Deus. Como também podemos ver neste texto de Hebreus, aparentemente toda a obra do Espírito como capacitador da Igreja visava o fim proveitoso de assegurar que a Palavra de Deus era a verdade para o homem.
De qualquer maneira, acredito que devamos pensar no dom de curar como tendo o objetivo específico de trazer alívio ao sofrimento daqueles que se aproximam de Deus, cujas enfermidades causam-lhes dor de muitos modos (físicas e emocionais). Este dom, especialmente em meio a ausência de recursos médicos adequados foi o modo de cuidado que Deus usou para preservar sua igreja ao longo dos séculos.
Até os dias atuais sabemos que Deus continua curando, mesmo enfermidades cujas curas ainda são desconhecidas ou muito dificultosas, podemos constatar que verdadeiros milagres ocorrem, por meio de curas inexplicáveis.
Entretanto, devemos também considerar que o dom de cura dado à igreja nos dias registrados nas Escrituras, implicavam em casos de sucesso total, ou seja, quando Pedro, João, Filipe, Paulo ou ainda o próprio Jesus orava pedindo uma cura, ou simplesmente a declarava em nome do Senhor, o enfermo, independentemente de qualquer situação era curado, sequer importava se era crente, descrente, ter fé ou não.
Os diversos cultos de curas propagandeados em nossos dias, têm uma conotação bastante distinta daquele dom de curar dos dias dos apóstolos. Primeiro, muitos usam sua suposta capacidade de cura para dizer que possuem mais espiritualidade ou que seu ministério é mais abençoado que outros e nada mais contrário ao fim proveitoso, pretendido pelo Espírito Santo.
Em segundo lugar, nos moldes atuais, os novos portadores dos dons de cura apontam que o sucesso do seu  dom está ligado à fé alheia, isto é, quando a cura não acontece a culpa é do  enfermo que não teve fé. Isso também não está de acordo com o dom neotestamentário apresentado nas Escrituras.
Contudo, devemos manter certa coerência e considerar aquilo que falamos sobre o dom de línguas, ou seja, Deus, desejando levantar este dom para o cuidado diaconal com a igreja em meio a sofrimentos, ou mesmo fazer sua palavra prosperar, pode sim capacitar pessoas com dons de cura para preservar e abençoar o seu povo. Especialmente nos contextos onde há poucos recursos para este cuidado, por meio da medicina e outras ferramentas.
Operações de milagres
Na mesma esteira do que já comentamos sobre os dons de curar, acredito que podemos incluir e pensar nos “dons de operações de milagres”. A diferença que devemos observar entre estes dois diferentes tipos de dons é que as “operações de milagres” não se restringem à questão da cura de enfermidades, mas são outros sinais sobrenaturais que apontam para uma obra do Espírito Santo.
Paulo, por exemplo, foi picado por uma víbora e não veio a morrer, este sinal tornou-se em motivo para creditarem a Paulo algo diferente:
Tendo Paulo ajuntado e atirado à fogueira um feixe de gravetos, uma víbora, fugindo do calor, prendeu-se-lhe à mão. Quando os bárbaros viram a víbora pendente da mão dele, disseram uns aos outros: Certamente, este homem é assassino, porque, salvo do mar, a Justiça não o deixa viver. Porém, ele, sacudindo o réptil no fogo, não sofreu mal nenhum; mas eles esperavam que viesse a inchar ou cair morto de repente. Mas, depois de muito esperar, vendo que nenhum mal lhe sucedia, mudando de parecer, diziam ser ele um deus (Atos 28.3-6).
Outros sinais, como ressurreição de mortos, expulsão de demônios, mulheres estéreis se tornarem mães, apontavam para a grande obra do Espírito de cuidado com a sua Igreja e devem ser incluídas, assim como outros de natureza sobrenatural, entre os dons de operações de milagres.
Governos
Embora tenhamos de lidar com dons que não fazem parte da vida ordinária da Igreja, podemos nos lembrar que outros, como o dom de governo estão muito presentes no dia a dia da Igreja.
Este dom, que difere em parte do chamado “dom de presidência” (Romanos 12.8), assim como este está ligado ao cuidado de Deus com a Igreja no tocante à sua existência na terra e a continuidade do seu  trabalho dentro de uma esfera de organização temporal.
O dom de governo é dado para que pessoas no seio da Igreja assumam funções de liderança e o façam em nome de Cristo para o bem coletivo. Infelizmente, deturpado por causa do conceito mundano de liderança, nem sempre pessoas com este dom conseguem exercê-lo de maneira a abençoar a igreja, senão com propósitos egocentrados. Esse é um erro que devemos cuidar para não acontecer no seio da igreja.
Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se  grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será vosso servo, tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mateus 20.26-28).
Pessoas com este dom conseguem conduzir bem o rebanho do Senhor, exercendo papeis como líderes e referência para todo o rebanho, a fim de poderem servir com seu dom, guiando a Igreja para refletir o caráter de Cristo. Este é um dom que deve ser observado de forma bem peculiar nos oficiais da igreja, em particular os presbíteros.
Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho (1Pedro 5.2-3).
Socorros
Talvez poucos dons sejam tão negligenciados na  igreja quando os dons de socorros. Em parte, porque em geral a gente não consegue perceber muito bem quando alguém tem este tão especial dom.
Embora o cuidado com o irmão seja um dever de todos os crentes, na igreja, há aquelas pessoas que são capacitadas pelo Espírito para ter uma percepção maior do sofrimento alheio, tanto quanto, mais inclinação para dar suporte aos necessitados.
Pessoas com o dom do socorro se inclinam fortemente ao sofrimento alheio e buscam tratamento para as feridas, tanto do corpo como da alma das pessoas.
Barnabé, o tio de João Marcos, parecia ser uma personagem bíblica com uma alta dose do dom de socorro. Quando percebeu que a pobreza e as dificuldades estavam campeando a igreja de Jerusalém, vendeu seus bens e entregou o valor à igreja.
Pois nenhum necessitado havia enter eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos, então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade. José, a quem os apóstolos deram  o sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho de  exortação, levita, natural de Chipre, como tivesse um campo, vendendo-o trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos (Atos 4.34-37).
Éle também era generoso o suficiente para andar com Paulo quando todos o rejeitavam e fazê-lo inserir-se no seio da Igreja, como também cuidou de seu sobrinho João que deu tanto desgosto ao Apóstolo Paulo, por ter abandonado a viagem missionária.  Barnabé, sabia caminhar a segunda milha com quem precisava e identificava bem essas necessidades.
Tendo chegado a Jerusalém, procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém, o temiam, não acreditando que ele fosse discípulo. Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregava ousadamente em nome de Cristo (Atos 9.26-27).
Alguns dias depois, disse Paulo a Barnabé: Voltemos, agora, para visitar os irmãos por todas as cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam. E Barnabé, queria levar também a João, chamado Marcos. Mas Paulo não achava justo levarem aquele que se afastara desde a Panfília, não os acompanhando no trabalho. Houve entre eles tal desavença, que vieram a separar-se. Então, Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre (Atos 15.36-39).
Irmãos com o dons de socorros são muito importantes, ainda que seu trabalho não apareça tanto, porque eles são capazes de minimizar o sofrimento de muitos. Diáconos com dom do socorro promovem grande bem estar na Igreja, pois exercem um ofício muito em acordo com sua capacitação, afinal assistir aos necessitados é parte integrante deste ministério.

Conclusão
É muito importante que nos lembremos das premissas básicas deste capítulo 12 de 1Coríntios, ou seja, que os dons devem ser considerados como ferramentas do Espírito Santo para o cuidado da igreja, promovendo sempre o bem estar coletivo e o amadurecimento do corpo.
A negligência do uso dos nossos dons traz grande prejuízo para todo o corpo, como se uma parte do Corpo estivesse doente e não podemos cumprir a sua função.
Quando os diversos dons trabalham pelo corpo, todos ganham e amadurecem na fé, que é o objetivo de Cristo em nossa vida.
Portanto, os diversos dons alistados por Paulo, merecem ser vistos sob este prisma, ou seja, são importantes não tanto pelo que fazem, mas pelo papel que exercem no contexto geral, à luz da necessidade coletiva, nunca servindo para dar destaque pessoal egocentrado a ninguém.

Na próxima aula veremos as listas seguintes em Romanos, Efésios e voltando ao verso 28 e 29 de 1Coríntios. 

sábado, 11 de abril de 2015

Pneumatologia: As Listas de Dons do Novo Testamento - 1 Coríntios 12

Dons do Espírito
As Listas do Novo Testamento

O apóstolo Paulo foi o principal articulador da doutrina eclesiológica do Novo Testamento. Ele, entre tantos elementos que compõem a vida da igreja, tratou sobre a questão dos dons do Espírito e sua aplicação na obra de edificação da Igreja de Cristo.
As listas paulinas de dons estão em três textos principais: 1 Coríntios 12.8-10, 28; Efésios 4.11; Romanos 12.6-8. Para alguns, em particular a lista de Efésios e 1Coríntios 12.28 não deveriam ser considerados como listas de dons, mas sim uma referência à serviços dentro do corpo de Cristo.
Compreendemos que estas listas do apóstolo Paulo não esgotam todos os dons do Espírito, portanto não são exaustivas. Acreditamos que Paulo se vale destes dons como exemplos da obra do Espírito Santo e das diversas possibilidades de dons no seio da igreja, para que a mesma cresça e seja levada a um modelo de vida próximo à estatura de Cristo, o varão perfeito.

Dons em 1 Coríntios 12
A ênfase de Paulo nesta lista, como já vimos, é mostrar a centralidade do Espírito, a diversidade dos dons e a finalidade proveitosa de cada um, tendo sido disposto de acordo com a vontade do Espírito.
Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo Espírito, a fé; e a outro, no mesmo Espírito dons de curar; a outro, operações de milagres, a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las. Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as como lhe apraz, a cada um, individualmente (1Coríntios 12.8-11).
A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois dons de curar, socorros, governos, variedade de línguas (1Coríntios 12.28).
Neste trecho, o mais importante para Paulo não é o poder que o dom em si possui, mas que todos os seus possuidores tivessem bem claro em suas mentes que o Espírito era o responsável por  estas distribuições da graça.
Em geral, consideramos que existem nesta lista dois tipos fundamentais de dons: dons da palavra e dons do cuidado. Curiosamente, como no momento em que foram escolhidos os diáconos da Igreja em Atos dos Apóstolos, capítulo 6, duas grandes áreas do cuidado com a igreja se mostravam importantes, necessárias e mereciam especial atenção: o ministério da palavra e o cuidado diaconal do povo de Deus.
Os dons para a propagação da palavra: palavra de sabedoria, palavra de conhecimento, profecia, discernimento de espíritos, variedade de línguas, capacidade  de interpretação.
Este primeiro grupo, são dons cujo a razão primordial é a pregação fiel da Palavra e a propagação do Evangelho. São dons direta ou indiretamente à pregação da palavra, sua interpretação, ou aplicação à realidade imediata da congregação. 
Dons para o cuidado diaconal: fé, dons de curar, operações de milagres, governos, socorros.
Este grupo, por sua vez, tem a ver diretamente com cuidado diaconal, isto é, para o serviço eclesiástico e para o alívio das dores e dificuldades do rebanho, neste mundo caído.
Procuraremos descrever em poucas palavras o que cada um destes dons listados podem ter como principal atividade. Lembramos que esta não é uma definição completa, em virtude do fato de que Paulo, apesar de citar estes dons, não lhes descreve a atuação, alguns deles, sequer dando maiores explicações.
    
Palavra de sabedoria (logos sophia)
A palavra de sabedoria é um dom oferecido por Deus à sua igreja com a finalidade de guia-la, principalmente em algumas decisões importantes, no âmbito eclesiástico e particular do povo de Deus.
Pessoas com o dom da “palavra de sabedoria” são aquelas que, possuem um especial discernimento para compreender a vida segundo a Palavra de Deus e aplica-la a situações do cotidiano com grande e peculiar sabedoria. Geralmente, pessoas com alto grau deste dom podem servir como bons conselheiros e pregadores bastante práticos da Palavra de Deus. Também são muito necessários como líderes da igreja, como presbíteros, afinal sua “palavra de sabedoria” podem ser muito úteis nas decisões que têm relação com a vida da igreja como um todo.
Palavra do conhecimento (logos gnousin)
A palavra de conhecimento, entendemos estar diretamente ligada à compreensão da própria palavra de Deus. Este dom oferece ao seu possuidor uma clareza de entendimento do texto bíblico e de suas implicações teológicas e práticas acima do normal.
Pessoas assim dotadas são guiadas de forma muito produtiva na leitura e entendimento das Escrituras e, em geral, são muito usadas no ensino, na formação teológica da igreja. Em geral, pessoas  que possuem o dom da palavra do conhecimento, são bons exegetas e teólogos. Sendo úteis à igreja no esclarecimento das verdades e direcionamento de outros na verdade da fé.
Profecia (profeteia)
Sempre que falamos em profecia, o imaginário comum nos conduz a pensar em qualquer tipo de previsões futuristas. Evidentemente, esta visão é um equívoco, pois nem sempre os profetas anteciparam coisas futuras, ao contrário, a maior parte dos escritos bíblicos proféticos trataram de situações presentes que precisavam ser corrigidas.
Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã (Isaías 1.18).
Como é possível ver, Isaías tratou dos pecados de Israel e exortou o povo de Deus a uma mudança de comportamento, tendo como base a aliança que possuíam com Deus e suas promessas de perdão. Portanto, nem todo escrito profético é necessariamente uma previsão futurista.
Em geral, o conceito bíblico de profecia é que se trata de uma palavra de exortação enfática contra os pecados, baseada na Lei de Deus. Sendo a principal função do profeta, conduzir o povo de volta à Lei de Deus como padrão de vida.
Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada, porque a boca do Senhor o disse (Isaías 1.19-20).
Como se pode observar no exemplo, na sequência, Isaías conclama o povo à obediência, que obviamente é segundo a Lei a Deus, pois toda a desobediência será punida, também segundo a própria Lei de Deus.
A função do Espírito como organizador da Igreja, está diretamente e inseparavelmente ligada à Palavra de Deus. Ele organiza a Igreja, segundo a Palavra de Deus, por isso, estes dons ligados à Palavra, podem ter essa força profética, no sentido de ser fortemente corretiva para o agir da igreja.
Quando Paulo usa a expressão “dom de profecia” no capítulo 12, sua intenção não é de definir o dom, senão de mostrar que ele é dado, sempre segundo a vontade e propósito do Espírito, visando um fim proveitoso, que, como já vimos, é a edificação da Igreja. Contudo, no capítulo 14, ele volta a este dom e mostra a importância de sua presença na igreja.
Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis (1Coríntios 14.1).
A construção grega desta frase é bem difícil para o nosso entendimento, mas é como se pudesse ser traduzida assim: “sigam o amor com zelo por  meio de dons espirituais para que profetizeis”. O que Paulo está dizendo é que a função profética da igreja, isto é, a pregação da Lei de Deus é fundamental e, de certo modo, o bem comum (fim proveitoso) é melhor alcançado quando os dons colaboram para isto, neste sentido é que a prática do amor deve ser evidente no comportamento da igreja.
O contraste que Paulo usa para exemplificar a importância deste dom é como o mal uso do dom de línguas empregado na igreja de Corinto. Pois, alguns, imaginando ser esse dom de um caráter superior, falavam em línguas sem nenhuma proposta de edificação para a igreja, apenas de auto afirmação no corpo.
Paulo, centraliza o propósito dos dons na edificação do corpo e por isso, o dom de profecia era importante por que lidava diretamente com este elemento.
Pois quem fala em outra língua, não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando. O que fala em outra língua a si mesmo se edifica, mas o que profetiza edifica a igreja (1 Coríntios 14.2-3).
Portanto, como se pode ver e não iremos nos delongar, o dom de profecia é principalmente asseverado nesta lista com o entendimento de que profetizar é exortar, corrigir e trazer o povo de volta à Lei de Deus como padrão de vida.
Evidentemente, os profetas também falaram sobre o futuro, até mesmo no Novo Testamento. Na maior parte absoluta das vezes que isto ocorreu era para incentivar ou exortar os crentes a se manterem no caminho do Senhor, ou ainda, antecipando o juízo divino por causa da desobediência. Enfim, sempre procurando mostrar que Deus deseja que o seu povo viva segundo a sua Lei.
Discernimento de Espírito (diakríseis pneumaton)
O termo “diacríseis” é um termo judicial, implica em fazer um juízo a respeito de algo. Por isso, o dom de “discernimento de espírito” se destaca entre os dons de propagação e reafirmação da palavra, porque, previne desvios, na medida que alguns irmãos são capacitados por Deus com a ferramenta de julgar retamente a palavra que estão ouvindo.
O apóstolo João, nos deu como mandamento para todos o fazer bom juízo de tudo o que estamos ouvindo, inclusive julgando as coisas que ouvimos para não sermos enganados.
Amados, não deis crédito a qualquer espírito, antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora (1JOão 4.1).
Embora seja uma necessidade imperiosa para o  crente que deseja seguir o caminho da fé sem tropeços pesar os espíritos, Deus capacita especialmente alguns que tem a mente mais aguçada para fazer este juízo.
Entretanto, é muito importante que pessoas com esta percepção mais apurada para o erro, esteja pronto a ser submisso à palavra de Deus, lembrando que os dons são ferramentas organizadoras do Espírito, que sempre usa a Palavra de Deus como referência. Um bom exemplo da contribuição deste dom é o que encontramos registrado em Atos, quanto aos crentes de Beréia.
Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim (Atos 17.11).
Alguns irmãos, dotados com discernimento de espíritos, são capazes de ouvir uma mensagem bíblica e, a partir do próprio conhecimento da Escritura, ou por mera percepção do Espírito de Deus, identificar problemas na fala de um pregador, ou se manterem distantes de um ensino. Eles devem questionar, ou ainda, levar os demais a avaliarem melhor e até mesmo comunicar outros irmãos dirigentes para apresentar suas percepções. Antes, porém, é sempre bom que busquem na Escritura mais fundamento para suas desconfianças.
Variedade de Línguas e Capacidade de Interpretação (Ghene Glossa e Hermeneia Glossa)
O dom de línguas tem sido central nos debates evangélicos entre pentecostais e  reformados, reformados e reformados, o mundo e a igreja, enfim, ele tem nos dado muita munição para discussões teológicas. Cristãos pentecostais advogam a presença do dom de línguas como sendo uma comunicação angelical ou como preferem denominar “língua estranha”.
Entre os reformados, no entanto,  existem os debates entre cessacionismo e não cessacionismo, aqueles que acham que estes dons  eram apenas para a era apostólica e os que compreendem que são dons possíveis nos nossos dias.
O mundo, por sua vez, vê o falar em línguas estranhas como uma ascese psicológica ou simplesmente como enganação religiosa, cuja finalidade é  conquistar adeptos pela demonstração de poder ou um simples produto da indução e manipulação psicológica dos fiéis.
Nosso objetivo não é fazer uma explicação detalhada do dons de línguas, mas nos concentrar em uma explicação do  mesmo que lhe ofereça alguma possibilidade de entendimento acerca do este dom significava para o seu  tempo e pode  significar para o nosso.
Quando Paulo diz “variedade de línguas” (ghene glossa), não está propondo que os crentes deveriam falar a língua dos anjos, mas está se referindo apenas à linguagem das gentes, ou  seja, uma capacidade extraordinária,  dada por Deus, para comunicar as verdades do Evangelho em línguas de outras nações, sem um aprendizado prévio. Foi exatamente isto o que aconteceu em Atos 2, no momento da descida do Espírito Santo.
Todos ficaram cheios do Éspírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem... Somos pardos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélit, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus (Atos 2.4; 9-11).
O dom de línguas, alistado por Paulo em 1Coríntios 12, é uma capacidade especial do Espírito que levou a Igreja Cristã a comunicar o Evangelho para outros povos em sua língua materna, sem que o evangelista tenha aprendido antecipadamente aquele idioma.
Entretanto, temos algumas passagens do Novo Testamento em que grupos de pessoas falam em línguas e não temos este contexto de pessoas de outras nações como ouvintes, servindo aquele momento apenas para a interpretação de que o Espírito Santo havia descido sobre eles (Atos 10.44 a 48 e Atos 19.1-6).
NO primeiro texto, a ênfase do autor é dizer que o mesmo que havia acontecido em Atos 2, com os judeus, estava, agora, acontecendo com os gentios. Bem, se entendemos que há uma coerência bíblica neste escritor, devemos também entender que o fenômeno foi o mesmo, ou seja, apesar deles não estarem no contexto explícito de nações estrangeiras na audiência, eles estavam falando em línguas de outros povos. Um detalhe é interessante para unir atos 10 e 2, é que também em Atos 10, eles engrandeciam a Deus.
Pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus (Atos 10.46a).
Já no capítulo 19, Paulo está em Éfeso com um grupo de discípulos que tiveram contato com a mensagem de João Batista e o seu batismo de arrependimento e quando ouviram falar sobre Jesus e crendo nele foram batizados por Paulo, no momento deste batismo, o Espírito Santo vem sobre eles e o ponto mais característico de Paulo é que eles tanto falavam em outras línguas como também profetizavam, o que nos remete à discussão do capítulo 14 de 1 Coríntios.
E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e tanto falavam em línguas como profetizavam (Atos 19.6).
Neste caso, podemos compreender que Lucas estivesse falando de uma ação do Espírito, dada coletivamente ao grupo e que reportava àquela discussão que Paulo já tivera com os crentes de Corinto, por meio da carta, que enfatizava a edificação da Igreja.
Evidentemente, Paulo não está descartando a necessidade deste dom para comunicar o Evangelho, contudo, quando ele fosse operado no seio da Igreja, que houvesse um intérprete, pois, no seio da Igreja é necessário que haja edificação. Por isso, este dom é colocado lado a lado com o dom de interpretação (hermeneia glossa).
Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas; muito mais, porém, que profetizásseis, pois quem profetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba edificação (1Coríntios 14.5).
Não nos deteremos em maiores discussões sobre o dom de línguas e o de interpretação nesta aula, mas enfatizaremos o propósito  (fim proveitoso) da edificação como o alvo destes dons na igreja. Estes dons não podem fugir ao modelo dos demais, línguas aqui devem falar sobre as grandezas de Deus, sobre a Lei de Deus e precisam ser compreendidas por alguém, ou quando eram realizados no seio da igreja era necessário que todos pudessem compreender, senão o melhor era que nenhuma palavra fosse dita (ver 1Coríntios 14.6-19).
Contudo, prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em outras línguas (1Coríntios 14.19).
A discussão que está posta por Paulo aqui é que as línguas, que não deviam ser proibidas (1Corinto 14.39), desde que obedeçam o princípio do fim proveitoso.
Em nossos dias é possível haver o dom de línguas? Esta questão gerou um grande debate no meio reformado entre cessacionistas e não cessacionistas. Minha posição pessoal é que Deus pode, sim suscitar este dom em contexto próprio, quando desejar comunicar o Evangelho à uma etnia ainda não alcançada. Portanto, não descarto a possibilidade do mesmo, mas contesto o modo como tem sido usado no meio pentecostal em geral como forma de auto afirmação de espiritualidade.