domingo, 22 de setembro de 2013

Santificação Como Um Processo Inteligente

Introdução
A santificação não é um processo de gradual amadurecimento passivo, ocorrido por uma mecânica mística. Ao contrário, trata-se de um processo consciente e sinérgico, isto é, envolve inteiramente os mecanismos da razão, vontade e emoção humana.
Nessa aula, vamos nos deparar com a função cognitiva na construção de nossa santificação pessoal e perceber que a Escritura apresenta a santidade como um dever individual diante de Deus.
O Dever de Uma Vida Santificada
O primeiro passo a considerar nessa matéria é assumir que a santificação é uma responsabilidade que Deus cobrará de cada um de nós.
Em Hebreus 12.14, o escritor bíblico deixa claro esse princípio ao dizer:
Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor (Hb. 12.14).
O termo traduzido por “segui” (diôquete) vem grafado no imperativo e impõe a paz e a santificação como elementos a serem alcançados necessariamente.
Quando estudamos o termo Kadosh, no Antigo e no Novo testamentos vimos duas ênfases mais comuns para o mesmo: o ideal de purificação e o de consagração. No caso do escritor aos hebreus ele está sugerindo que a consagração da vida deles (Olhando firmemente para o autor e consumador da fé - verso 2) seja entrelaçada como causa e efeito do processo de purificação e abandono do pecado (desembaraçando-nos de todo peso e do pecado - verso 1).
Para ele, esta é uma das mais importantes e necessárias lutas que ocorrem no âmbito da nossa individualidade vivencial nessa terra e precisa ser encarada com a máxima sinceridade e discernimento.
Ora, na vossa luta contra o pecado ainda não tendes resistido até o sangue e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: filho meu, não menospreze a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo o filho a quem recebe (Hebreus 12.4-5).
Deus não criou uma estrutura de correção para mudança do nosso caráter sem que desejasse com isso que houvesse uma participação ativa de nossa consciência no processo. Por isso, devemos investir em uma participação consciente e eficiente de nossa mente em todo o processo de santificação da nossa vida.
Santificação Como Um Processo da Inteligência Ativa do Ser Humano
Algumas vezes, o protestantismo histórico foi acusado de ser uma fé puramente racional. Evidentemente, não é justa essa acusação, pois, ainda que primemos por uma participação consciente da razão no mecanismo da santificação, entendemos que outros elementos da inteligência, como a vontade e a emoção estão claramente presentes e precisam ser considerados. Além, é claro, da obra imprescindível do Espírito Santo, sem o qual, nenhuma voluntariedade é despertada no ser humano.
Contudo, de fato, a fé reformada considera de forma muito importante a participação efetiva da racionalidade humana no processo de mudança de paradigmas vivenciais diante de Deus, os quais nos movem para um viver que agrada ao Criador.
Santificação e Padrão de Santificação
Quando a Escritura apresenta Deus como o paradigma da santificação, ela está propondo uma reflexão comparativa e isto se configura em um processo de uso da inteligência.
Santos sereis, porque eu, o Senhor sou santo (Lv 19.2).
Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo (1Pe 1.14-16).
Como é possível notar nesses textos, a santificação é um processo de padronização dos filhos ao seu Pai Celestial que é santo. Para tanto, uma avaliação da santidade de Deus é necessária para que eu compreenda o que é santificação. Em outras palavras, devo desenvolver habilidades cognitivas para o discernimento do padrão e eficaz aplicação na minha vida.
Um exemplo emblemático dessa ação comparativa é o caso de Isaías que esteve no templo e viu o Senhor, percebendo assim sua indignidade pecaminosa (Is 6.1-5). A percepção da realeza e pureza do Senhor (Santo, santo, santo...), conduziram Isaías a uma autorreflexão e ao processo de quebrantamento e prostração, para que depois disso, fosse conduzido à santificação.
Cristo Jesus, como varão perfeito, é apresentado na Escritura como paradigma de imitação e verdadeira santidade. Por isso, precisamos do exercício racional do discernimento de quem é Cristo para que possamos nos moldar a esse modelo.
Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, como aroma suave (Ef 5.1-2).
Calvino insistia nesse modelo de discernimento como princípio do processo de santificação. Nas Institutas, sua obra magna, ele apresenta o conhecimento de Deus como um fundamento do autoconhecimento. E, diferentemente da “Devotio Moderna” (movimento católico romano de retomada da santificação como padrão de vida, durante a Idade Média - pesquisar sobre Thomas Kemps a Imitação de Cristo), Calvino não propunha uma busca da santificação pela condução mística da vida.
Ainda que aceitemos que muitos dos temas propostos por Thomas Kempis tenham ressonância nos Escritos de Calvino, este se propõe a um modelo de transformação ativa e não passiva, quando retrata o processo da santificação. Em outras palavras, Calvino considerava que a verdadeira santificação seria proveniente de um conhecimento ativo de Deus e Cristo, que seria um processo sinergético em que o Espírito Santo conduz o nosso espírito a ter consciência e clamar “Aba Pai” (Rm 8.15-16).
Jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo tempo a santificação do Espírito. (...) A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do seu Espírito. Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé se deve separar do afeto piedoso (Institutas III.2.8).
Santificação e Consciência do Pecado
Outro ponto que reforça a ideia de santificação como um processo inteligente é a necessidade da “consciência do pecado”. Ao longo de toda a Escritura, a Redenção é apresentada a partir de um processo de admissão da necessidade do ser humano.
A Palavra diz que redimirá toda a Criação e ilustra esse ponto propondo qualidades humanas à Criação em geral ao dizer que ela possui expectativas (Rm 8.19). Mas, evidentemente, as árvores da floresta, assim como os animais todos não desfrutam de um perceber racional do seu estado e da condição nova prometida por Deus. Essas criaturas estão em um cativeiro de pecado, não por vontade própria, mas porque foram sujeitos a essa condição pelas ações dos homens, que as sujeitaram (Rm 8.20).
Enfim, a Redenção é um processo que se inicia na obra da regeneração do Espírito, que em seguida nos conduz ao experimentar da consciência do pecado, da perdição e do juízo sob o qual vivemos em ameaça de condenação eterna. Portanto, o Espírito Santo, entre tantas obras que realiza no aplicar da Redenção à nossa vida, nos desperta para a consciência do nosso estado de pecado.
Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8).
A santificação, como já vimos no exemplo de Isaías, é um processo decorrente de uma consciência da santidade de Deus, mas também da nossa pecaminosidade. Esse processo de autoconhecimento do próprio pecado não deve ser visto apenas com o objetivo penitenciatório, mas deve nos conduzir ao arrependimento, ou mudança de paradigma e conversão dos caminhos. Este é o contexto de Hebreus 12.14, nosso texto base.
Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco, antes, seja curado (Hb 12.12-13).
Santificação e Consciência da Necessidade do Próximo
Um fator conceitual muito importante do processo de santificação é que ela, apesar de se tratar de um evento que ocorre no âmbito da individualidade da relação com Deus, não é um processo que ocorre em um vazio ou em uma situação de ilha. A santificação é um processo que envolve ativamente a nossa relação coletiva.
Voltando ao nosso texto base, o seu contexto direto é o capítulo 11, a galeria da fé. A descrição de todas as ações dos homens de Deus no passado e a sua luta por viverem para a glória de Deus, em obediência e fé, culmina com o início do capítulo 12, quando diz que eles nos servem de testemunhas.
Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta (Hb 12.1).
Ao nos servirem de testemunhas, pelo seu exemplo, isto é, ao provocarem nossa capacidade de avaliar a sua jornada e a nossa, deseja o escritor que tomemos esses exemplos de fé e nos despertemos para a necessidade que temos de deixar modelos para outroas. Decorre, portanto, as frases inclusas no contexto geral desse capítulo que ligam a nossa busca de santificação com o equilíbrio de outras pessoas.
(...) e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco, antes seja curado (Hb 12.13).
Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, atentando diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus, nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos pertube, e, por meio dela, muitos sejam contaminados, nem haja algum impuro ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura (Hb 12.14-16).
Muitos outros textos nos conduzem a essa reflexão sobre a necessidade de que a nossa santificação se relacione diretamente com as necessidades espirituais de outras pessoas.
Infelizmente, em um contexto de exacerbado “egocentrismo”, prevalece o princípio da individualidade distante da relação com o próximo e, até mesmo nas relações intrafraternais da vida de fé, a quem busque na individualidade da santificação toda a receita do viver digno de Cristo.
Nenhuma santificação é verdadeira se o amar ao próximo e participar do seu crescimento não é uma realidade do seu viver com Deus. O amar a Deus sobre todas as coisas não é condicionado, mas está diretamente ligado ao processo de capacitação para a amar o próximo como a nós mesmos e isto inclui até mesmo os nossos inimigos.
Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado (1Jo 4.12).
Esse amor ao próximo deve ser fruto direto de nossa percepção da necessidade do outro. Essa percepção da necessidade espiritual do outro é fruto de um exercício da inteligência que aplica os elementos da razão, vontade e emoção. Em outras palavras, a santificação pessoal se desenvolve primordialmente em nossa capacidade de buscar o interesse do outro, como ponto de partida da nossa percepção de utilidade para Deus.
Conclusão
Observamos nessa aula que o processo de santificação é um dever que só pode ser atendido por meio de uma percepção consciente de Deus, da nossa pecaminosidade e da necessidade do nosso próximo.
Devemos, então, investir energia nesses elementos por meio de um continuo e profundo conhecimento de Deus, que nos dará uma condição mais segura para estabelecer os padrões de comparação com Cristo que precisamos para imitá-lo.
Naturalmente esse processo de conhecimento de Cristo nos conduz a necessidade do autoexame e da busca de mudanças pessoais de comportamento e status de nossa vida cristã. Deixar o comodismo de viver segundo os princípios do próprio coração e buscar no parâmetro de Cristo a verdadeira vida com Deus é o caminho mais seguro para a purificação e consagração da vida.
Por fim, baseado no fato de que nossa fé não se desenvolve em uma ilha existencial, a proximidade com as necessidades da coletividade da família da fé e também dos outros homens do mundo, nos oferecerá o mais completo pátio de treinamento e exercício da nossa vida com Deus. Trata-se de avaliar essas condições que devemos considerar o uso dos elementos da racionalidade para nos aproximar das pessoas e vê-las em suas necessidades.
Aplicação
Procure conversar com os colegas de sala e em uma construtiva discussão, descubra meios de que, em coletividade, todos possam se estimular a crescer no processo de santificação.
Quais os elementos que podemos identificar que atrapalham nosso crescimento individual e coletivo. De que maneira a Escola Dominical oferece-se como mecanismo de ajuda no processo e qual a importância de nos aplicarmos mais no conhecimento de Cristo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça o seu comentário, observação, pergunta... colabore com o crescimento de todos!