domingo, 17 de novembro de 2013

O uso inteligente dos meios de graça

Introdução
A santificação, como um processo necessário, deve se constituir em uma das prioridades existenciais do crente.
Devemos nos lembrar que a santificação é um processo de estruturação da nossa mente em Deus, isto é, a recolocação de Deus no ponto central do viver, de modo que todas as coisas e a nossa própria vida tenha sentido a partir de Deus.
Deus planejou que esse processo de estruturação teocêntrica da vida acontecesse a partir de uma obra do Espírito Santo em nossa natureza, habilitando-nos a pensar teocentricamente. Entretanto, Deus também planejou que essa nova mente se desenvolveria através de uma obra sinergética e cooperativa, para a qual somos chamados a participar ativamente.
Nessa parceira de santificação, Deus nos proporciona gradual mudança que se operará por meio de um esforço pessoal do homem na busca de Deus e de sua vontade. Afinal, se Deus deve ser o centro do pensar vivencial, antes de qualquer coisa devemos conhecê-lo melhor e entender o que Ele espera de nós.
Para que isso seja possível, entendemos que Deus nos ofereceu meios excelentes e eficientes para que alcancemos a graça dessa reestruturação existencial.
Os Meios de Graça
Na teologia reformada, essas ferramentas deixadas por Deus para nossa santificação e perseverança na caminhada cristã são chamados de “meios de graça”. Normalmente, os reformados denominaram como meios de graça os seguintes elementos: Palavra, oração e o uso correto dos sacramentos.
Trabalharemos com esses elementos, em particular com os dois primeiros e os chamaremos de “meios de graça por excelência”. Contudo, incluiremos outras considerações e levantaremos a hipótese de outros meios de graça, tais como: a comunhão, a adoração comunitária, o serviço ao próximo etc. A estes outros meios, chamaremos de “meios de graça por eficiência”.

A Palavra, a Oração e a Santificação
A santificação, como uma mudança estrutural da mente, é operada a partir das alterações necessárias do padrão mental:
(...) mas, transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm 12.2).
Por isso, o papel da Escritura é fundamental, pois ela proporciona que a nossa mente seja assistida pela mente de Cristo Jesus. Entendemos, portanto, que a Escritura não é somente o registro dos ensinos e história de Cristo, os profetas e apóstolos ou do povo de Israel. Compreendemos que a Escritura é a mente de Cristo exposta a nós, por meio dos ensinos deixados nas proposições e histórias apresentadas nas páginas do livro sagrado.
Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai as coisas lá do alto, não as que são aqui da terra (Colossenses 3.1-2).
Uma mudança no modo de pensar operará uma forte mudança também no senso de necessidade. A oração, completando o ritmo cardíaco da alma (sístole e diástole), nos levará a completar a mudança estrutural da existencial e nos conduzirá a viver na dependência de Deus que se tornará efetiva na nossa busca por intimidade, proximidade e diálogo com o altíssimo. A oração, de certa maneira, mais que a Palavra, parece revelar essa proximidade nossa com o Senhor.
A oração é, portanto, um fator revelador do princípio teocêntrico. Uma vida de oração santificada nos libertará do espírito de necessidade a partir do ego e nos levará a um espírito de santidade a partir de Deus.
Em outras palavras, a oração completa a teocentrização do nosso pensar, solidificando os modelos transformados da mente de Cristo em nós. É como se, por meio da nossa oração, expressássemos a nova mente implantada em nós.
Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que está nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu (Mt 6.9-10).

Aproveitando melhor o dia a dia com Deus
Antes de começar o estudo do uso dos meios de graça e sua aplicação em nossa vida, falaremos nessa introdução a respeito da importância do desenvolvimento do hábito da oração e da leitura meditada da Palavra. A esses hábitos chamaremos de “hábitos redencionais do pensar teocêntrico”.

O Desenvolvimento de Hábitos Redencionais do Pensar Teocêntrico
Estabelecemos a necessidade de que os nossos atos sejam resultado de um juízo do pensamento, segundo um modelo teocentrizado de pensamento. Onde, qualquer percepção da realidade é levada ao centro norteador da vida “Deus”, o qual provoca uma reação que tende a afastar-me do pecado do “egocentrismo” estimulando em mim hábitos redencionais.
Trabalhamos a idéia de que a criação de um hábito vem da prática constante ou o treinamento da mente para pensar redencionalmente, provocando o agir redencional como conseqüência.
Entretanto, uma coisa mais precisa ser dita a partir daqui. Entendemos o que é ter uma visão redencional da vida, não obstante, isso não significa que seja fácil a prática da vida redencional. Ou seja, a questão do agir inteligente em prol da vida redencional não é coisa fácil de se alcançar. Portanto, partimos para o recurso redencional fundamental para que possamos alcançar a graça do viver redencional:  A OBEDIÊNCIA. Por isso, escolhemos como texto para nossa lição de hoje: 2 Coríntios 10. 4 a 6.

TRAZER O PENSAMENTO CATIVO À OBEDIÊNCIA DE CRISTO
O texto que separamos para este primeiro estudo sobre a obediência faz parte do contexto maior de luta do apóstolo Paulo em favor dos crentes de Corinto. Desejo destacar que aquela igreja deixou-se iludir pelo poder da sabedoria humana ou mundana, afastando o seu pensamento do processo de pensamento teocentrizado, deixando-se finalmente levar para o pecado do egocentrismo da mente.
Neste estado mental, a igreja desviou-se do evangelho puro e simples e buscou na filosofia, eclesiologia, prazeres mundanos e auto-centrismo a satisfação imediata para a vida. Por isso, em suas reuniões “ágape” era possível haver ajuntamento cristão com doses de comilança e bebedice pagã, a ponto de necessitarem de uma reprimenda do apóstolo, como se pode ler no capítulo 11 da primeira carta.
Sua mente estava tão corrompida que chegaram ao ponto de não mais distinguir a verdade de Deus, permitindo-se levar por qualquer doutrina, mesmo que viesse mudar aquela que haviam aprendido inicialmente.
Paulo diagnostica essa doença espiritual como doença da mente que fora corrompida e os compara ao que aconteceu no Éden, quando a mente do homem foi atacada pela tentação e sucumbiu.

“Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com sua astúcia, assim também, seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo. Se, na verdade, vindo alguém, prega outro Jesus que não temos pregado, ou se aceitais espírito diferente que não tendes recebido, ou evangelho diferente que não tendes abraçado, a esse, de boa mente, o tolerais” - 2 Coríntios 11.3 e 4.

Por conta dessa propensão natural para ter os pensamentos em fuga da reta doutrina é que Paulo nos conclama a levar nosso pensamento cativo a Cristo e a linguagem que aplica a essa luta é bem significativa, especialmente por se tratar de uma linguagem militar ou marcial.

Porque as armas da nossa milícia não são carnais
NO verso 3, o apóstolo define o tipo de vida que tem levado, isto aponta não para uma visão mística da vida, mas para um critério pelo qual ele julgava todas as coisas ao seu redor.
“Disposições de mundano proceder” é o termo que ele utiliza para definir o modo como as pessoas o julgavam. Na verdade, eles o julgavam a partir do critério que dispunham, pois eles próprios é que estavam aprisionados nesse “mundano proceder”. Por isso, Paulo retruca dizendo que não, ele tinha outros pressupostos pelos quais julgava todas as coisas.
“Armas não carnais” - como Calvino assevera, para cada tipo de guerra, você tem um tipo de arma. Paulo, então, está disposto a mostrar aos crentes de Corinto que a fonte de sua autoridade, bem como de sua postura em relação a tudo era Deus e, por isso, podemos definir sua maneira de agir neste mundo como uma maneira “teocêntrica”, isto é, totalmente dependente de Deus e tendo-o como o objetivo, isto é dar-lhe glória.
“Nossa milícia” - pelo termo aqui utilizado, Paulo se refere ao tipo de enfrentamento que estava acontecendo e que não se tratava apenas de um debate de idéias, mas de uma luta pelas almas do crentes coríntios. Mais a frente, no capítulo 11, ele afirma que, na verdade, os crentes de Corinto estavam se tornando presas de ministro de Satanás, que os estavam enganando, assim como a serpente enganou Eva (Cap.11.13 a 15).
Era importante que os coríntios soubessem que o que estava acontecendo não era uma coisa simples, mas uma grande guerra estava sendo travada e eles precisavam começar a aferir as coisas com os óculos da Palavra, para julgarem teocentricamente tudo o que estava acontecendo.

Porque as armas da nossa milícia são poderosas em Deus
Então ele aponta para Deus como a fonte de toda a força de que eles precisavam para vencer essa batalha contra as forças do mal, que tentavam subvertê-los pela sabedoria do mundo, aplicada pelos falsos profetas que se instalaram naquela igreja, como se fossem apóstolos de Cristo.
Os falsos mestres atacavam a Paulo, tentando convencer os Coríntios de que ele não era um bom apóstolo ou um apóstolo de que eles precisavam, apontando para a “inexpressão” da sua palavra e da sua presença. Talvez, estivessem falando que ele era um homem de aparência degradada e de fala pesada, não poderia ser creditado como um grande apóstolo.
Paulo, então, lhes responde dizendo aquilo que ele disse na primeira carta, que ele não confiava em sua capacidade, mas pregava no poder do Espírito, por isso, suas armas têm como fonte de munição, não a sabedoria mundana, na qual se estribam os seus opositores, mas na sabedoria do alto, suas armas são poderosas em Deus, ou diante de Deus.
Uma das estratégias dos falsos mestres é a vanglória. Eles se elogiam a si mesmos e entre si, para produzir essa imagem de poder em si mesmos e nos seus companheiros, a fim de que todos acabam crendo que de fato eles são os melhores.
Para Paulo essa era a sua marca da falsidade e por isso ele deixa a lição preciosa dos versos 17 e 18.

Porque as armas da nossa milícia são poderosas para destruir fortalezas
Os falsos mestres tinham conquistado a confiança da mente dos coríntios e uma vez que sua mente tinha sido conquistada pela sua mensagem, a guerra que Paulo travava era contra grandes fortalezas.
O homem altivo torna o seu pensamento como uma fortaleza e se indispõe a pensar diferente do que pensa em sua altivez. Ele não procura o quebrantamento, pois julga o seu caminho o único possível a ser seguido. O quebrantamento dessas muralhas do coração não acontecem pela simples argumentação, é preciso que o poder de Deus seja a ferramenta de destruição da sua presunção.
Esse foi o tipo de problema enfrentado pelo profeta Jeremias, por causa da ação de falsos mestres em Israel (leia Jeremias 18.11 a 12). Pois o povo, mesmo persuadido de que era a voz do Senhor que falava, optara pelo caminho da dureza do seu coração maligno.
Por isso, Paulo espera estar com eles mais uma vez, para lhes falar cara-a-cara. O que ele deseja não é apenas enfrentá-los e destruí-los com as palavras, mas Paulo conhece o poder do Evangelho (a Pregação), então, ele sabe que certas fortalezas só seriam destruídas na sua presença.

Porque as armas da nossa milícia são eficazes para anular sofismas e toda a altivez que se levante contra o conhecimento de Deus
Anular Sofismas - Os mestres gregos sabiam muito bem manipular um conteúdo, apresentando uma mentira como se fosse uma verdade. Em linhas gerais e bem grossas essa era a natureza dos sofismas.
A pregação da palavra é poderosa para anular o poder que os sofismas têm sobre a mente. Ela também quebranta o coração que se levanta contra o conhecimento de Deus.
Por isso, a ação corretiva de Paulo teria de ser aplicada à mente dos coríntios, levando à tristeza do coração, para que alcancem o verdadeiro arrependimento.

Porque as armas da nossa milícia são poderosas e eficazes para levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo
Aqui, então, o apóstolo define o seu objetivo é conquistar de volta para Cristo o coração deles (a mente).
Esse processo é o de mostrar aos “sábios segundo o mundo” que eles são tolos. O coração altivo pensa que é o mais sábio e entendido de todos, esse coração precisa se tornar tolo primeiro, isto é, precisa entregar sua mente esvaziada do eu para que Cristo a possa encher.
Esse é um processo doloroso, difícil e que causa, num primeiro momento muita tristeza, pois abrir mão de pressupostos requer um ato de coragem maravilhoso. Às vezes, você convive com uma pessoa que parece inquebrantável e fica pensando, tal sujeito é duro na queda, ele está bem firmado em sua verdade.
Na verdade, ele se agarra à sua verdade porque não tem coragem de por sua vida em cheque, diante da mensagem de Cristo. Ele foge, porque não quer encarar o fato de que a realidade que ele observa, segundo a sabedoria do mundo, não é sabedoria, mas loucura, do ponto de vista da verdadeira realidade que é Cristo.

Porque as armas da nossa milícia corrigirão toda desobediência, com o propósito de alcançar a obediência do povo de Deus.
Paulo não se ilude de que será fácil, pelo contrário, ele sabe que este é o campo mais minado que existe e que essa é a guerra mais difícil a ser travada. Não se trata do poder político dos reis, ou do poder econômico dos banqueiros, Paulo sabe que está tratando com a realidade da eternidade.
Por isso, as fortalezas são as mais inexpugnáveis conhecidas, assim como os verdadeiros inimigos são os mais astutos. No entanto, ele tem as armas certas para essa guerra e está do lado certo. No capítulo 11, ele mostra a força que está disposto a empregar para que isso aconteça.
Ele diz que tem de corrigir com firmeza os insubordinados para que o povo de Deus seja liberto e sua obediência a Cristo seja total.


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