terça-feira, 12 de março de 2013

Estudos em Soteriologia - Aula 1 - Pecado Original



Introdução
A doutrina bíblica da salvação é um dos pontos de partida mais importantes para o estudo sistemático da Fé Cristã. Neste e nos próximos 10 encontros nos dedicaremos a considerar os principais pontos a respeito do modo como Deus oferece a seu povo o resgate da sua situação legal como condenado para a liberdade do Reino do Filho do seu amor.
Também veremos que a obra de salvação não nos liberta apenas da nossa situação legal, mas também de uma condição decaída, completamente dominada pelo pecado, para a uma viva esperança e mudança interior, Na qual nos santificamos e crescemos para nos parecer mais com Cristo Jesus.
Nossa primeira aula, voltará o nosso olhar para a nossa situação e condição enquanto seres caídos e excluídos da graça de Deus. Começaremos estes estudos, naquilo que na Teologia Cristã Tradicional é conhecido como Hamartiologia, isto é a Doutrina do Pecado.

A Natureza Pecaminosa do Homem - Como nos tornamos pecadores?
Evidentemente não poderemos estudar com todo detalhe essa matéria, que podemos chamar de “hamartiologia” (A Doutrina a Respeito do Pecado), simplesmente porque o material bíblico que discorre sobre isto é abundante e todas as questões teológicas e filosóficas sobre a questão podem preencher muitos livros, afinal de contas, estamos lidando com a própria origem do mal no mundo. Como nossa possibilidade é bem mais modesta, procuraremos tratar as questões mais básicas ligadas à pecaminosidade da natureza humana.

Como nos tornamos pecadores?
Há muitos pensamentos sobre o que é o pecado. Nós, entretanto, trabalharemos a questão do ponto de vista bíblico, cristão e reformado. Contudo, devemos nos lembrar de que nem todas as pessoas, até mesmo dentro do cristianismo, definem pecado da mesma forma. 
Seguindo a esteira do evolucionismo e suas teorias sobre a espécie humana, de uma forma geral, a filosofia extra bíblica não abre espaço para o conceito de pecado, preferindo-o definir apenas como o “mal”. Para estes, as questões da maldade humana consistem apenas de desvios éticos e que não existe nenhum paradigma que defina o que é certo ou errado fora do próprio pacto social e os habitus vivendis da humanidade.
Os reformados consistentes consideram que a natureza humana foi totalmente invadida e permeada pelo pecado, que passou a fazer parte constitutiva dos elementos que influenciam nossas afeições e, consequentemente, nossas decisões e ações.
O pecado é uma influência interna em nossa natureza que nos inclina para o que é mal. Neste pensamento o que é mal não se limita à  realização de ações contra o pacto social e a convivência humana, ou seja, não se trata apenas de um problema ético. O Mal, dentro da perspectiva reformada, é a rebelião voluntária e total contra Deus.
Voltando à pergunta do tópico: como nos tornamos pecadores?, devemos voltar ao texto bíblico de Gênesis, capítulo 3, e conhecer a ideia de “Pecado Original”.

O Pecado Original
O “Pecado Original” é ponto de partida para a consideração sobre o “estado legal” do ser humano na sua relação com Deus. Veremos, ao consideramos este tópico, que o problema da nossa situação  legal se inicia quando nossos representantes, caíram e foram condenados.
O Inicio da Pecaminosidade Humana é Um Evento Histórico
Pode soar estranho, afinal de contas o pecado é um conceito tão filosófico e está tão arraigado ao campo das ideias, que pode parecer absurdo dizer que foi um evento histórico. 
Evidentemente, novamente devemos dizer, existem aqueles que reprovam a ideia da historicidade da queda do homem, pois consideram que o texto de Gênesis 3, assim como os dois primeiros capítulos, devem ser tidos apenas como um relato mitológico.
Contudo, a Escritura trata o evento como um dado histórico. O apóstolo Paulo, por sua vez, faz uma ligação entre a historicidade do pecado de Adão com a historicidade da morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram (...)Se, pela ofensa d eum e por meio de um só, reinou a morte; muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. Pois, assim como, por uma só ofensa; veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens, para justificação que dá vida (Romanos 5.12, 17 e 18).
O pecado original é, portanto, um ato. Negar a historicidade deste ato, conduzirá você a negar a historicidade de Jesus ou, ao menos, diminuí-la. Afinal, se não houve um pecado histórico no jardim do Éden, por que o segundo Adão tinha de morrer historicamente?   Portanto, uma doutrina bíblica consistente sobre o pecado exigirá que consideramos o pecado original como um ato histórico.
Mas, ainda que eu creia na historicidade do ato do pecado, isto ainda não explica como “nos tornamos pecadores”. O máximo que podemos inferir da historicidade do ato do pecado original é que Adão se tornou pecador.

A representatividade de Adão e a consequente consideração do pecado original como um ato coletivo
Só há uma maneira de considerarmos essa afirmação verdadeira, é considerarmos a Bíblia verdadeira Palavra de Deus. Afinal como é possível provar que o pecado de Adão tem algum poder para contaminar o homem?
O contágio do pecado não se dá como o de uma doença infecciosa, como um vírus. A questão de como o pecado passa a todos os outros seres humanos está ligada à representatividade de Adão.
Adão, como cabeça da raça humana, toma do fruto proibido e come não apenas em seu nome, mas em nome de toda a raça humana. Então, a prova estabelecida por Deus, o chamado “pacto de obras”, não era uma prova individual, mas para toda a coletividade humana. A isto damos o nome de “pecado original”. Que não se trata apenas do pecado de Adão, mas de toda a raça humana.
Após o ato do pecado original, este ato passa a ser considerado uma “condição ou estado”. Em outras palavras, o contágio do pecado se deu pela nossa situação legal, como raça humana, diante do tribunal de Deus. Fomos transportados para um estado de queda, ou de condenação. A este quadro damos o nome de imputação do pecado, como veremos a seguir. 

Imputação do Pecado
A Palavra de Deus apresenta a imputação do pecado de Adão a toda a raça humana. O apóstolo Paulo é o responsável pela apresentação desta  doutrina. 
Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram (Romanos 5.12).
Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque assim como, em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo (1 Coríntios 15.21 e 22)
O que é a imputação do pecado?
Imputação do pecado é um ato soberano de Deus, que ocorre de forma forense. Deus, em seu tribunal, colocou a humanidade em Adão sob estado de prova. Adão nos representava naquele momento e, sua queda representou a nossa queda. Deus imputou soberanamente o pecado de Adão a nós, isto nos tornou pecadores. Portanto, a transgressão e queda de Adão é também de toda a raça, assim como as consequências disto.
Para muitos, a imputação é um ato impossível. Como Deus pode imputar o pecado de Adão a outros indivíduos. A questão, deve ser tratada sempre lembrando que não se trata apenas de um ato moral individual, mas de um ato coletivo, realizado diante de um tribunal.
O pecado, antes de ser uma questão moral é uma questão legal. A imputação é um ato judicial soberano de Deus. Ele, o Criador e Juiz de todas as coisas, determinou que o pacto de obras incluísse todos os homens em Adão. Assim, quando Adão entrou no estado de morte espiritual, todos os que com ele estavam representados também morreram.
Vejamos a imputação do nosso pecado a Cristo Jesus, que também foi um ato judicial soberano de Deus.
Aquele que não conheceu pecado, ele (Deus) o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5.21).
Fica muitíssimo claro para todos nós que a morte de Jesus Cristo como um pecador na cruz é um ato forense de Deus. Deus o considera culpado, imputando assim a culpa do pecado sobre ele. Jesus não experimentou o pecado como ato histórico, mas o experimentou como ato forense, de juízo de Deus.
Na mesma linha de pensamento, encontramos o texto de Gálatas 3.13, que declara que a maldição do pecado foi imputada a Jesus. Da mesma sorte, no outro extremo, podemos nos lembrar da doutrina da imputação da justiça de Cristo sobre o pecador.
Portanto, a nossa condição de culpados em Adão é um ato de Deus, que nos considerou representados no ato histórico da queda. Deus imputou a culpa do pecado de Adão à toda a humanidade.
Portanto, nos tornamos pecadores ou melhor, nos tornamos considerados pecadores, por causa da imputação do pecado à nós.
Nos tornamos pecadores porque perdemos a justiça original da criação
Não obstante, a imputação ser um ato forense, o pecado não se faz presente em nossa existência apenas de forma conceitual, por causa de uma declaração legal de Deus, ele é uma presença real. Então, existe realmente uma condição que nos é transmitida a partir de Adão.
Nossos símbolos de Fé (Confissão de Fé de Westminster, Breve Catecismo e Catecismo Maior) afirmam que uma condição de corrupção foi imposta a todo o gênero humano, por causa do pecado original. Eles chamam isso de “corrupção da natureza humana”.
Num primeiro vislumbre deste ponto, ficaremos com a afirmação “perda da justiça original” como uma resposta à nossa inquietante pergunta: como nos tornamos pecadores?
A justiça original, com a qual fomos criados era uma capacidade inata de fazer o que é bom, servir a Deus e somente contentar-se em agradá-lo em todas as coisas, além de refletir o próprio caráter moral de Deus.
A perda da justiça original
O homem perdeu a sua capacidade de adequar-se às exigências morais da Lei de Deus. Antes da queda, o homem estava perfeitamente habilitado e inclinado a reagir sempre positivamente à Lei de Deus, após a queda, essa inclinação para a justiça deixou de permear o homem.
Eis o que tão somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias (Eclesiastes 7.29).
A perda da santidade original
Ao criar o homem, Deus o fez santo, ou seja, não havia impureza alguma na constituição humana, por isso, o homem retratava tão perfeitamente o seu próprio Criador. Não se tratava de uma santidade adquirida por causa da comunhão com Deus, mas de algo que lhe foi dado à sua própria natureza moral. O homem era totalmente bom!
Ao pecar, o homem decaiu deste estado de santidade imaculada, e sua natureza santa passou a ser natureza pecaminosa. As inclinações santas da sua mente, passaram a maquinar o mal. O primeiro exemplo dessa ação foi o momento imediato em que Adão, logo trata de jogar a culpa em Eva para livrar-se da responsabilidade.
Perda do Conhecimento Verdadeiro
Entre as grandes bênçãos dadas ao homem, quando de sua criação, foi a capacidade de raciocinar e conhecer. Este privilégio é significativo, porque Deus dera ao homem a capacidade de conhecê-lo verdadeiramente.
A grande felicidade do homem consistiria em uma gradativa experiência de conhecimento de Deus. A santidade original e mesmo a retidão original são condições que permitiriam o viver humano sem percalços, mas a capacidade de ter um Conhecimento Verdadeiro era, entre as bênçãos dadas aos seres humanos, a que mais lhe promoveria a felicidade existencial e lhe garantiria o único crescimento possível.
Ao pecar, a mente humana foi embotada pelo pecado e perdeu a capacidade de conhecer a Deus. Curiosamente, comer o fruto da “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal” levou o homem a não mais ter um conhecimento verdadeiro de Deus. Aquele que era um conhecimento intuitivo e uma capacitação de progredir nestes conhecimento, deixou de existir no ser humano, de tal forma, que os seres humanos, descendente de Adão, agora nascem cegos do entendimento de Deus, nulos em seus próprios entendimentos.
Portanto, olhando por este ponto de vista, nos tornamos pecadores porque perdemos a justiça original, perdendo a capacidade de viver para agradar a Deus, a santidade moral de Deus em nós e a capacitação de conhecê-lo verdadeiramente. Mas, por outro lado, devemos também lembrar que nos tornamos pecadores porque adquirimos uma natureza pecaminosa, ou, como alguns preferem, uma inclinação natural para o mal.

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