sábado, 11 de abril de 2015

Pneumatologia: As Listas de Dons do Novo Testamento - 1 Coríntios 12

Dons do Espírito
As Listas do Novo Testamento

O apóstolo Paulo foi o principal articulador da doutrina eclesiológica do Novo Testamento. Ele, entre tantos elementos que compõem a vida da igreja, tratou sobre a questão dos dons do Espírito e sua aplicação na obra de edificação da Igreja de Cristo.
As listas paulinas de dons estão em três textos principais: 1 Coríntios 12.8-10, 28; Efésios 4.11; Romanos 12.6-8. Para alguns, em particular a lista de Efésios e 1Coríntios 12.28 não deveriam ser considerados como listas de dons, mas sim uma referência à serviços dentro do corpo de Cristo.
Compreendemos que estas listas do apóstolo Paulo não esgotam todos os dons do Espírito, portanto não são exaustivas. Acreditamos que Paulo se vale destes dons como exemplos da obra do Espírito Santo e das diversas possibilidades de dons no seio da igreja, para que a mesma cresça e seja levada a um modelo de vida próximo à estatura de Cristo, o varão perfeito.

Dons em 1 Coríntios 12
A ênfase de Paulo nesta lista, como já vimos, é mostrar a centralidade do Espírito, a diversidade dos dons e a finalidade proveitosa de cada um, tendo sido disposto de acordo com a vontade do Espírito.
Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo Espírito, a fé; e a outro, no mesmo Espírito dons de curar; a outro, operações de milagres, a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las. Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as como lhe apraz, a cada um, individualmente (1Coríntios 12.8-11).
A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois dons de curar, socorros, governos, variedade de línguas (1Coríntios 12.28).
Neste trecho, o mais importante para Paulo não é o poder que o dom em si possui, mas que todos os seus possuidores tivessem bem claro em suas mentes que o Espírito era o responsável por  estas distribuições da graça.
Em geral, consideramos que existem nesta lista dois tipos fundamentais de dons: dons da palavra e dons do cuidado. Curiosamente, como no momento em que foram escolhidos os diáconos da Igreja em Atos dos Apóstolos, capítulo 6, duas grandes áreas do cuidado com a igreja se mostravam importantes, necessárias e mereciam especial atenção: o ministério da palavra e o cuidado diaconal do povo de Deus.
Os dons para a propagação da palavra: palavra de sabedoria, palavra de conhecimento, profecia, discernimento de espíritos, variedade de línguas, capacidade  de interpretação.
Este primeiro grupo, são dons cujo a razão primordial é a pregação fiel da Palavra e a propagação do Evangelho. São dons direta ou indiretamente à pregação da palavra, sua interpretação, ou aplicação à realidade imediata da congregação. 
Dons para o cuidado diaconal: fé, dons de curar, operações de milagres, governos, socorros.
Este grupo, por sua vez, tem a ver diretamente com cuidado diaconal, isto é, para o serviço eclesiástico e para o alívio das dores e dificuldades do rebanho, neste mundo caído.
Procuraremos descrever em poucas palavras o que cada um destes dons listados podem ter como principal atividade. Lembramos que esta não é uma definição completa, em virtude do fato de que Paulo, apesar de citar estes dons, não lhes descreve a atuação, alguns deles, sequer dando maiores explicações.
    
Palavra de sabedoria (logos sophia)
A palavra de sabedoria é um dom oferecido por Deus à sua igreja com a finalidade de guia-la, principalmente em algumas decisões importantes, no âmbito eclesiástico e particular do povo de Deus.
Pessoas com o dom da “palavra de sabedoria” são aquelas que, possuem um especial discernimento para compreender a vida segundo a Palavra de Deus e aplica-la a situações do cotidiano com grande e peculiar sabedoria. Geralmente, pessoas com alto grau deste dom podem servir como bons conselheiros e pregadores bastante práticos da Palavra de Deus. Também são muito necessários como líderes da igreja, como presbíteros, afinal sua “palavra de sabedoria” podem ser muito úteis nas decisões que têm relação com a vida da igreja como um todo.
Palavra do conhecimento (logos gnousin)
A palavra de conhecimento, entendemos estar diretamente ligada à compreensão da própria palavra de Deus. Este dom oferece ao seu possuidor uma clareza de entendimento do texto bíblico e de suas implicações teológicas e práticas acima do normal.
Pessoas assim dotadas são guiadas de forma muito produtiva na leitura e entendimento das Escrituras e, em geral, são muito usadas no ensino, na formação teológica da igreja. Em geral, pessoas  que possuem o dom da palavra do conhecimento, são bons exegetas e teólogos. Sendo úteis à igreja no esclarecimento das verdades e direcionamento de outros na verdade da fé.
Profecia (profeteia)
Sempre que falamos em profecia, o imaginário comum nos conduz a pensar em qualquer tipo de previsões futuristas. Evidentemente, esta visão é um equívoco, pois nem sempre os profetas anteciparam coisas futuras, ao contrário, a maior parte dos escritos bíblicos proféticos trataram de situações presentes que precisavam ser corrigidas.
Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã (Isaías 1.18).
Como é possível ver, Isaías tratou dos pecados de Israel e exortou o povo de Deus a uma mudança de comportamento, tendo como base a aliança que possuíam com Deus e suas promessas de perdão. Portanto, nem todo escrito profético é necessariamente uma previsão futurista.
Em geral, o conceito bíblico de profecia é que se trata de uma palavra de exortação enfática contra os pecados, baseada na Lei de Deus. Sendo a principal função do profeta, conduzir o povo de volta à Lei de Deus como padrão de vida.
Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada, porque a boca do Senhor o disse (Isaías 1.19-20).
Como se pode observar no exemplo, na sequência, Isaías conclama o povo à obediência, que obviamente é segundo a Lei a Deus, pois toda a desobediência será punida, também segundo a própria Lei de Deus.
A função do Espírito como organizador da Igreja, está diretamente e inseparavelmente ligada à Palavra de Deus. Ele organiza a Igreja, segundo a Palavra de Deus, por isso, estes dons ligados à Palavra, podem ter essa força profética, no sentido de ser fortemente corretiva para o agir da igreja.
Quando Paulo usa a expressão “dom de profecia” no capítulo 12, sua intenção não é de definir o dom, senão de mostrar que ele é dado, sempre segundo a vontade e propósito do Espírito, visando um fim proveitoso, que, como já vimos, é a edificação da Igreja. Contudo, no capítulo 14, ele volta a este dom e mostra a importância de sua presença na igreja.
Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis (1Coríntios 14.1).
A construção grega desta frase é bem difícil para o nosso entendimento, mas é como se pudesse ser traduzida assim: “sigam o amor com zelo por  meio de dons espirituais para que profetizeis”. O que Paulo está dizendo é que a função profética da igreja, isto é, a pregação da Lei de Deus é fundamental e, de certo modo, o bem comum (fim proveitoso) é melhor alcançado quando os dons colaboram para isto, neste sentido é que a prática do amor deve ser evidente no comportamento da igreja.
O contraste que Paulo usa para exemplificar a importância deste dom é como o mal uso do dom de línguas empregado na igreja de Corinto. Pois, alguns, imaginando ser esse dom de um caráter superior, falavam em línguas sem nenhuma proposta de edificação para a igreja, apenas de auto afirmação no corpo.
Paulo, centraliza o propósito dos dons na edificação do corpo e por isso, o dom de profecia era importante por que lidava diretamente com este elemento.
Pois quem fala em outra língua, não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando. O que fala em outra língua a si mesmo se edifica, mas o que profetiza edifica a igreja (1 Coríntios 14.2-3).
Portanto, como se pode ver e não iremos nos delongar, o dom de profecia é principalmente asseverado nesta lista com o entendimento de que profetizar é exortar, corrigir e trazer o povo de volta à Lei de Deus como padrão de vida.
Evidentemente, os profetas também falaram sobre o futuro, até mesmo no Novo Testamento. Na maior parte absoluta das vezes que isto ocorreu era para incentivar ou exortar os crentes a se manterem no caminho do Senhor, ou ainda, antecipando o juízo divino por causa da desobediência. Enfim, sempre procurando mostrar que Deus deseja que o seu povo viva segundo a sua Lei.
Discernimento de Espírito (diakríseis pneumaton)
O termo “diacríseis” é um termo judicial, implica em fazer um juízo a respeito de algo. Por isso, o dom de “discernimento de espírito” se destaca entre os dons de propagação e reafirmação da palavra, porque, previne desvios, na medida que alguns irmãos são capacitados por Deus com a ferramenta de julgar retamente a palavra que estão ouvindo.
O apóstolo João, nos deu como mandamento para todos o fazer bom juízo de tudo o que estamos ouvindo, inclusive julgando as coisas que ouvimos para não sermos enganados.
Amados, não deis crédito a qualquer espírito, antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora (1JOão 4.1).
Embora seja uma necessidade imperiosa para o  crente que deseja seguir o caminho da fé sem tropeços pesar os espíritos, Deus capacita especialmente alguns que tem a mente mais aguçada para fazer este juízo.
Entretanto, é muito importante que pessoas com esta percepção mais apurada para o erro, esteja pronto a ser submisso à palavra de Deus, lembrando que os dons são ferramentas organizadoras do Espírito, que sempre usa a Palavra de Deus como referência. Um bom exemplo da contribuição deste dom é o que encontramos registrado em Atos, quanto aos crentes de Beréia.
Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim (Atos 17.11).
Alguns irmãos, dotados com discernimento de espíritos, são capazes de ouvir uma mensagem bíblica e, a partir do próprio conhecimento da Escritura, ou por mera percepção do Espírito de Deus, identificar problemas na fala de um pregador, ou se manterem distantes de um ensino. Eles devem questionar, ou ainda, levar os demais a avaliarem melhor e até mesmo comunicar outros irmãos dirigentes para apresentar suas percepções. Antes, porém, é sempre bom que busquem na Escritura mais fundamento para suas desconfianças.
Variedade de Línguas e Capacidade de Interpretação (Ghene Glossa e Hermeneia Glossa)
O dom de línguas tem sido central nos debates evangélicos entre pentecostais e  reformados, reformados e reformados, o mundo e a igreja, enfim, ele tem nos dado muita munição para discussões teológicas. Cristãos pentecostais advogam a presença do dom de línguas como sendo uma comunicação angelical ou como preferem denominar “língua estranha”.
Entre os reformados, no entanto,  existem os debates entre cessacionismo e não cessacionismo, aqueles que acham que estes dons  eram apenas para a era apostólica e os que compreendem que são dons possíveis nos nossos dias.
O mundo, por sua vez, vê o falar em línguas estranhas como uma ascese psicológica ou simplesmente como enganação religiosa, cuja finalidade é  conquistar adeptos pela demonstração de poder ou um simples produto da indução e manipulação psicológica dos fiéis.
Nosso objetivo não é fazer uma explicação detalhada do dons de línguas, mas nos concentrar em uma explicação do  mesmo que lhe ofereça alguma possibilidade de entendimento acerca do este dom significava para o seu  tempo e pode  significar para o nosso.
Quando Paulo diz “variedade de línguas” (ghene glossa), não está propondo que os crentes deveriam falar a língua dos anjos, mas está se referindo apenas à linguagem das gentes, ou  seja, uma capacidade extraordinária,  dada por Deus, para comunicar as verdades do Evangelho em línguas de outras nações, sem um aprendizado prévio. Foi exatamente isto o que aconteceu em Atos 2, no momento da descida do Espírito Santo.
Todos ficaram cheios do Éspírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem... Somos pardos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélit, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus (Atos 2.4; 9-11).
O dom de línguas, alistado por Paulo em 1Coríntios 12, é uma capacidade especial do Espírito que levou a Igreja Cristã a comunicar o Evangelho para outros povos em sua língua materna, sem que o evangelista tenha aprendido antecipadamente aquele idioma.
Entretanto, temos algumas passagens do Novo Testamento em que grupos de pessoas falam em línguas e não temos este contexto de pessoas de outras nações como ouvintes, servindo aquele momento apenas para a interpretação de que o Espírito Santo havia descido sobre eles (Atos 10.44 a 48 e Atos 19.1-6).
NO primeiro texto, a ênfase do autor é dizer que o mesmo que havia acontecido em Atos 2, com os judeus, estava, agora, acontecendo com os gentios. Bem, se entendemos que há uma coerência bíblica neste escritor, devemos também entender que o fenômeno foi o mesmo, ou seja, apesar deles não estarem no contexto explícito de nações estrangeiras na audiência, eles estavam falando em línguas de outros povos. Um detalhe é interessante para unir atos 10 e 2, é que também em Atos 10, eles engrandeciam a Deus.
Pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus (Atos 10.46a).
Já no capítulo 19, Paulo está em Éfeso com um grupo de discípulos que tiveram contato com a mensagem de João Batista e o seu batismo de arrependimento e quando ouviram falar sobre Jesus e crendo nele foram batizados por Paulo, no momento deste batismo, o Espírito Santo vem sobre eles e o ponto mais característico de Paulo é que eles tanto falavam em outras línguas como também profetizavam, o que nos remete à discussão do capítulo 14 de 1 Coríntios.
E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e tanto falavam em línguas como profetizavam (Atos 19.6).
Neste caso, podemos compreender que Lucas estivesse falando de uma ação do Espírito, dada coletivamente ao grupo e que reportava àquela discussão que Paulo já tivera com os crentes de Corinto, por meio da carta, que enfatizava a edificação da Igreja.
Evidentemente, Paulo não está descartando a necessidade deste dom para comunicar o Evangelho, contudo, quando ele fosse operado no seio da Igreja, que houvesse um intérprete, pois, no seio da Igreja é necessário que haja edificação. Por isso, este dom é colocado lado a lado com o dom de interpretação (hermeneia glossa).
Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas; muito mais, porém, que profetizásseis, pois quem profetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba edificação (1Coríntios 14.5).
Não nos deteremos em maiores discussões sobre o dom de línguas e o de interpretação nesta aula, mas enfatizaremos o propósito  (fim proveitoso) da edificação como o alvo destes dons na igreja. Estes dons não podem fugir ao modelo dos demais, línguas aqui devem falar sobre as grandezas de Deus, sobre a Lei de Deus e precisam ser compreendidas por alguém, ou quando eram realizados no seio da igreja era necessário que todos pudessem compreender, senão o melhor era que nenhuma palavra fosse dita (ver 1Coríntios 14.6-19).
Contudo, prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em outras línguas (1Coríntios 14.19).
A discussão que está posta por Paulo aqui é que as línguas, que não deviam ser proibidas (1Corinto 14.39), desde que obedeçam o princípio do fim proveitoso.
Em nossos dias é possível haver o dom de línguas? Esta questão gerou um grande debate no meio reformado entre cessacionistas e não cessacionistas. Minha posição pessoal é que Deus pode, sim suscitar este dom em contexto próprio, quando desejar comunicar o Evangelho à uma etnia ainda não alcançada. Portanto, não descarto a possibilidade do mesmo, mas contesto o modo como tem sido usado no meio pentecostal em geral como forma de auto afirmação de espiritualidade.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça o seu comentário, observação, pergunta... colabore com o crescimento de todos!